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ConflitosBósnia e Herzegovina

Bósnia ainda procura seu futuro, 30 anos após a guerra

Rüdiger Rossig
6 de abril de 2022

Separatistas seguem ameaçando a existência da Bósnia e Herzegovina. Contra eles, a pequena nação balcânica precisaria de democracia, Estado de direito, prosperidade e uma perspectiva de integração à União Europeia.

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Soldados atravessam ponte de cidade antiga
Capacetes azuis em Mostar (30/12/1996)Foto: Stephanie Pilick/dpa/picture alliance

Todos os anos, em 6 de abril, os habitantes de capital bósnia comemoram o Dia da Cidade de Sarajevo. Ele marca tanto o fim da ocupação alemã, em 1945, quanto o início do sítio pelas tropas dos sérvios da Bósnia, em 1992. Dias antes, o Parlamento bósnio declarara a independência do país até então pertencente à comunista Iugoslávia.

Além disso, em 5 de abril, mais de 100 mil cidadãos haviam protestado pela paz – até que, da sede do partido nacionalista sérbio, partiram tiros contra os manifestantes. Duas mulheres foram mortas: as primeiras vítimas da guerra na Bósnia.

Alguns dias depois, as Forças Armadas, antes iugoslavas e agora controladas por nacionalistas sérbios, começaram com o cerco a Sarajevo. Ele duraria 1.425 dias e custaria 11.541 vidas. Até esse momento, a maioria dos quase 4,4 milhões de bósnios – quer os 44% de bosníacos muçulmanos, os 17% de croatas católicos, os 31% de sérvios ortodoxos ou as numerosas minorias nacionais – não acreditava que haveria uma guerra.

Eles tinham bom motivo para tal: um terço dos matrimônios no pequeno Estado do Bálcãs Ocidentais era entre nacionalidades mistas. Devido à industrialização, numerosos trabalhadores migrantes haviam ido de outras partes da Iugoslávia para lá, mas nunca houvera conflitos nas décadas anteriores.

Por outro lado, há muito havia discordância quanto ao futuro da Bósnia. Em 1º de março de 1992, 99,4% do eleitorado votara em referendo pela independência em relação à Iugoslávia. No entanto a participação fora de apenas 63,4%, já que a maioria dos sérvios-bósnios boicotara a consulta.

No fim de 1991, a maioria dos deputados bósnios já abandonara o Parlamento, para, em 9 de janeiro de 1992, fundar seu próprio para-Estado, a República Sérvia (Republika Srpska, RS).

Guerra desigual e mediadores equivocados

No princípio de abril do mesmo ano, os nacionalistas sérvios começaram com a brutal "limpeza étnica" das regiões da Bósnia controladas por suas tropas. A meta não era derrubar as elites não sérvias, mas toda oposição e sociedade civil, culminando com a união com a vizinha Sérvia. Além disso, em 1993 nacionalistas bósnio-croatas armados atacaram os bosníacos, até então seus aliados, exigindo a união com a vizinha Croácia, numa "guerra dentro da guerra" que duraria anos.

Na Bósnia, quem combatia não eram povos contra povos, mas ex-funcionários comunistas convertidos ao nacionalismo, agentes do serviço secreto e militares contra o povo, cuja maioria, segundo as pesquisas de opinião, desejava democracia, Estado de direito e prosperidade como no Oeste da Europa. Isso, contudo, teria representado o fim do domínio pelas elites da época, tendo, portanto, que ser impedido por todos os meios.

Ainda assim, os mediadores internacionais, que desde 1991 intervinham na guerra na Iugoslávia em processo de dissolução – principalmente as Nações Unidas e a Comunidade Europeia, a organização antecessora da atual União Europeia (UE) – tentaram mediar entre os agressores fortemente armados e os quase indefesos agredidos como se se tratasse de um conflito entre adversários equivalentes.

Uma consequência desse equívoco de avaliação foi o envio da levemente armada tropa da ONU Unprofor para assegurar a paz num território onde já reinava a guerra. Não só os capacetes azuis foram incapazes de implementar sequer um dos inúmeros "cessar-fogos" nos três anos e meio seguintes, como fracassaram também na "zona de proteção" das Nações Unidas, onde, em julho de 1995, sérvios armados massacraram mais de 8 mil adolescentes e homens bosníacos.

Acordo de Dayton: consenso indispensável, mas imperfeito

Só com esse genocídio e as ofensivas sérvias aos membros da Unprofor, a comunidade internacional finalmente impôs, no fim de 1995, o Acordo de Paz de Dayton, incluindo uma nova Constituição.

Segundo o pacto que levou o nome da base da Aeronáutica americana em Dayton, Ohio, a Bósnia permaneceu um Estado, mas dividido em duas "entidades", a RS e a Federação da Bósnia e Herzegovina – por sua vez subdividida em dez cantões – além de uma zona administrativa especial.

Nessa construção estatal, uma das mais complicadas do mundo, com um incompreensível caos de ministérios e competências, a manutenção da paz é supervisionada por um Alto Representante (OHR), que responde às potências-garantes de Dayton, reunidas no Conselho de Implementação da Paz (PIC; na sigla em inglês), o qual inclui, além de diversos países europeus, entre os quais a Alemanha, também os Estados Unidos e a Rússia.

Dayton provou ser um mau consenso, mas o único capaz de dar rapidamente fim à guerra que resultara em mais de 100 mil mortos e de 2 milhões de deslocados. No entanto, em vez de ficarem gratos pelo acordo, os líderes bósnio-sérvios o interpretaram como sua vitória.

Nos anos seguintes, o presidente da RS Milorad Dodik expandiu sua zona de poder cada vez mais, na direção de um Estado dentro do Estado bósnio. No entanto, nem a RS nem o restante da Bósnia evoluíram positivamente nos interesses de suas cidadãs e cidadãos.

Hoje, o país dos Bálcãs Ocidentais tem apenas 3,2 milhões de habitantes, o desemprego é alto, os salários são baixos. Numa população envelhecida, a expectativa de vida é cada vez mais baixa, muitos jovens emigram. A política segue sob o domínio de ex-comunistas nacionalistas, como Dodik ou o bósnio-croata Dragan Covic, acusado, tanto pela oposição como por ONGs como a Transparência Internacional, de corrupção, clientelismo e violações dos direitos dos cidadãos e humanos.

A Bósnia está ameaçada de um prolongamento infinito da agonia que a domina desde o fim da guerra. Para evitar isso, o PIC e o OHR precisariam ser reformulados como instituições eficazes, cujo mandato inclua uma reforma do Acordo de Dayton. Além disso o país precisa de uma perspectiva definida em relação à UE.

Isso só será possível sem a Rússia, que, ao que tudo indica, não deseja um Estado democrático funcional na Bósnia. Democracia, Estado de direito, prosperidade e integração europeia são os instrumentos mais eficazes que as democracias podem mobilizar contra o domínio das poderosas "panelas" das nações pós-comunistas, seja na Bósnia, Belarus ou Rússia.