Bossa nova e big band
28 de setembro de 2009O mais recente exemplo da renovação europeia da bossa nova é o projeto da cantora brasileira Paula Morelenbaum, famosa por colaborar durante muitos anos com Antônio Carlos Jobim. Em parceria com o orquestrador alemão Ralf Schmid e a big band da emissora de rádio e televisão alemã SWR, ela lançou o álbum Bossarenova. Paula Morelenbaum esteve em turnê na Alemanha em setembro e conversou com a Deutsche Welle.
DW-WORLD: Como surgiu a ideia para o álbum?
Paula Morelenbaum: A ideia partiu de Ralf Schmid, que me procurou com uma proposta de fazer um álbum de bossa nova com arranjos dele para uma big band alemã. Eu achei a ideia muito interessante. A partir daí, procuramos um repertório coerente para esse projeto, fizemos uma longa pesquisa, durante alguns meses, para chegarmos à conclusão desse álbum.
O que é novo em Bossarenova?
Novo nesse álbum são os arranjos modernos. É uma concepção do século 21, mistura de música acústica com eletrônica. A big band é composta por 17 músicos de sopro e quatro músicos de base que tocam bossa nova. O Bossarenova já é novo por misturar um estilo de musica cool com arranjos que até o momento eram mais tradicionais, e nesse disco foi possível uma big band ser cool.
O que diria Tom Jobim das inovações?
Acho que o Tom gostaria muito de saber que a bossa nova tem ganhado novas caras, pelo menos esse é meu desejo. O Tom era um cara muito aberto a tudo, a novas propostas e, principalmente, a projetos de bom gosto musical, já que ele era um super compositor e super arranjador. O bom gosto dele prevalece na sua obra. Os arranjos de Ralf Schmid estão muito bons, muito bonitos, muito adequados, não ouve nenhum exagero, acho que isso surpreende o ouvinte, que de repente acha que uma big band tem que ser uma coisa pesada. Esses arranjos foram especialmente singelos, mais ao mesmo tempo grandiosos, fortes, onde a big band está bem representada. Eu acho sim, que o Tom gostaria muito de saber que a música dele está viva, e a gente pode renovar esse estilo com a nossa tecnologia e com a nossa mente do século 21.
Por que a colaboração com uma orquestra e um arranjador alemães?
O convite partiu de Ralf Schmid e da turma da SWR Big Band. A ideia partiu dele, que me convidou, achei muito bacana, confiei na proposta, nos arranjos e não me arrependo. Acho que fizemos um trabalho muito interessante, reunindo as raízes da música brasileira com as raízes da música alemã e europeia, e acho que essa junção mostrou que funciona.
A bossa nova é caracterizada por ter um violão e pouco mais, como acompanhamento. O som da big band não desvirtua o gênero?
É verdade que estamos fazendo uma coisa diferente. A característica da bossa nova é a simplicidade, a voz e o violão, pequenos arranjos de cordas muito leves. E de repente aparece uma big band com essa proposta. Eu não acho que desvirtue, acho que acrescenta, era isso que eu queria ver e acabei vendo. O resultado de junção me agrada muito. É uma soma e não acho que desvirtue, não.
É diferente a sonoridade da bossa nova made in Germany?
Acho que a bossa nova made in Germany é diferente, sim, da feita no Brasil, em Ipanema, na esquina do Rio de Janeiro. É claro, já que somos brasileiros, e vocês alemães. Eu acho que isso faz essa mistura muito interessante, da mesma forma que a bossa nova que é feita nos EUA também é diferente, ou na Itália, ou na França. Da mesma forma que o jazz é feito diferente no Brasil. Cada um tem a sua parcela na música, coloca um pouco de si, e a música é essa junção. Como mesmo dizia Tom Jobim, não existe uma música pura brasileira, porque se a música brasileira fosse completamente pura, estaríamos tocando atabaques como os índios tocavam. A mistura é o que evolui, na minha opinião, gosto muito disso, há bastante tempo, já em outros trabalhos, sempre tive a colaboração de músicos estrangeiros e arranjadores, acho que essa colaboração faz bem à música.
Como você escolheu o repertório e que influência teve Ralf Schmid neste contexto?
Nós fizemos esse repertório juntos, o Ralf tinha algumas ideias, me mandava, eu também tinha outras, foi uma troca, nos demos muito bem nesse sentido. Todas as opiniões eram bem-vindas. Eu tive a ideia da música do Schumann, por exemplo. Eu havia ouvido o arranjo do Arthur Nestrovski, super músico e compositor brasileiro, faz letras, versões muito bonitas, até mesmo de Schubert. Achei super pertinente fazer essa canção no estilo bossa nova; me impressionei muito, sugeri ao Ralf. Ele achou ótimo e então me sugeriu uma musica de Villa Lobos, me pediu que eu procurasse uma canção para fazermos mais uma transformação, daí surgiu a ideia da modinha. Eu acho que foi uma colaboração mútua, onde nos demos muito bem.
Como vocês decidiam o que podia entrar no repertório?
Os critérios que procurávamos eram músicas do universo da bossa nova, a que a gente pudesse dar uma cara renovada. Chegamos a esse título "renova" por conta disso, de refazer, colocando elementos novos que aproximassem a música dos anos 1960 com o século 21. O critério era não só ficar com um compositor grandioso, como, por exemplo, o Tom Jobim, que se pode dizer que era o ministro da bossa nova no mundo; mas claro que a bossa nova também tem outros compositores maravilhosos, como o Baden Powell, o Marcos Vale – que por sinal não entrou por pouco nesse disco, já estava na nossa lista. Tentamos misturar sons como, por exemplo, do Jorge Ben, que não era exatamente do movimento da bossa nova, mas foi muito gravado naquela época dos anos 60. Composições dele foram hits daquele momento, Mas que nada é um sucesso que foi gravado por Sérgio Mendes. O nosso critério eram músicas que iam além da bossa nova para apresentar a vocês, misturando assim um pouco de música europeia como Schumann e até os Beatles, que também eram da época.
O que levou vocês a incluir um trecho dos Beatles?
Os Beatles entraram nessa brincadeira porque nós queríamos misturar muitos tipos de música, não só a bossa nova, não só um compositor. Queríamos ampliar. Quando chegamos a conversar sobre esse projeto, concluímos que tudo pode ser a bossa nova. Se for de bom gosto, qualquer tipo de música pode virar bossa nova. O jazz, o blues e até mesmo valsa, que se comprovou com Schumann. Até mesmo a modinha do Villa Lobos, que originalmente é uma seresta, um estilo de música que não existe mais no Brasil. A história dos Beatles foi assim: nós queríamos colocar uma música muito famosa, que remetesse às pessoas muitas lembranças, algum momento da vida, uma particularidade em qualquer lugar do mundo, não necessariamente só brasileiros ou ingleses, mais uma música universal. Colocar nessa música universal esse ritmo da bossa nova e trazê-la para o Brasil, adequando sons de pássaros com um ar tropical. Exemplo disso é o Blackbird que saiu de Londres e veio parar aqui no Rio de Janeiro.
Como foi a colaboração, de um modo geral?
A primeira colaboração foi através de e-mail e telefone, para montar o repertório, decidir qual seria o tipo de arranjo. Tivemos uma parada no meio da gravação, no final do ano, foi um tempo importante para o desenvolvimento do projeto, para ouvir o que já tínhamos gravado na primeira sessão. Quando juntamos as cinco primeiras canções, tivemos uma ideia do que iríamos colocar, foi interessante esse período entre dezembro e março, para poder reciclar as ideias e saber do que a gente tinha gostado mais. Isso facilitou a gravação da segunda parte. Acho muito importante quando se tem um tempo, e isso aconteceu nesse trabalho.
Vocês fizeram questão de incluir neste álbum as raízes do bossa nova na música erudita europeia. Por quê?
Queríamos mostrar a música europeia, por onde Tom Jobim também passou e se influenciou. Villa Lobos é um exemplo muito claro, já que Tom se deixou inspirar muito por Villa Lobos. Muitas passagens da própria modinha são exatamente as que Tom usou em outras músicas. A gente queria mostrar de alguma forma que essa influência realmente existiu. Na própria música de Schumann se percebe como é contemporânea, como poderia ser uma bossa nova. A bossa abrangia essa influência, essa música europeia, misturada com o próprio jazz, tudo poderia ser bossa nova. Isso foi um dos motivos porque colocamos essas canções eruditas.
E como concretizaram isso?
A concretização desse projeto foi a gravação, quando começamos a gravar aqui com voz e violão, fomos sentindo esse ritmo com a percussão de Marcelo Costa. Algumas faixas foram gravadas no Rio de Janeiro, mas na grande maioria o Ralf trouxe o arranjo pronto para mim. Mas às vezes a gente começava pela voz e violão e depois chegava à concepção. Um exemplo disso foi a modinha: começamos a fazê-la e naturalmente foi-se desenvolvendo e acabou sendo gravada com esse ritmo, uma bossa, uma seresta, tudo natural, não teve muita elaboração. A música se fez antes do que poderíamos imaginar.
Na contracapa do álbum anuncia-se simultaneamente uma retrospectiva e um olhar voltado para o futuro da bossa nova. É uma música com futuro? Já por algumas vezes quase desapareceu…
É uma música voltada para o futuro, sim, já que tudo que é de bom gosto é também para sempre. O jazz é uma música que já existe há muitos anos, todo mundo toca e, no final, sempre acaba se desenvolvendo. A música pop, cada um toca do seu jeito. Eu acho que a bossa nova chegou para ficar, sim. Você diz que algumas vezes ela quase morreu, eu não acredito nisso, talvez foi uma fase em que ela não foi tocada com tanta frequência pelas novas gerações. Mas as pessoas da bossa continuaram fazendo bossa e sempre tiveram um espaço muito grande, tanto no Brasil quanto fora do país. Hoje em dia, o mercado da bossa é impressionante no exterior, no Japão, nos EUA e mesmo na Europa. Isso vai continuar, a tendência é aumentar, as pessoas têm curiosidade, e os músicos gostam e vão querer sempre desenvolver esse tipo de música, que é muito agradável e inteligente.
Este álbum vai ser editado no Brasil ou é só para a Europa?
O álbum vai ser editado no Brasil, certamente, é do maior interesse de todos nós. Algumas pessoas já ouviram e estão gostando muito. Acho que vai haver muita curiosidade dos brasileiros de ouvir a bossa nova com essa roupagem de uma big band, que realmente não é comum aqui na nossa cultura. Nós estamos aguardando o momento para o lançamento no Brasil. Imagino que seja no ano que vem, vamos aguardar as críticas. Eu espero que os europeus já estejam gostando, que estejam escutando, que toquem nas rádios e que assistam aos nossos shows.
Entrevista: Cristina Krippahl (eab)
Revisão: Augusto Valente