É uma "revolução made in Germany": tradicional, conservadora e organizada. Silenciosa, sorrateira e com um toque de anacronismo: no momento em que a digitalização avança, cada vez mais pessoas na Alemanha estão decidindo votar de forma analógica e sem pressa – ou seja, pelo correio.
Por que ir à seção eleitoral se você pode passar férias numa ilha mediterrânea ou fazer um churrasco com amigos no dia da eleição? Desde que, em 2008, o Tribunal Constitucional Federal aboliu a obrigação na Alemanha de justificar por escrito o voto por correspondência, a proporção de votos enviados por correio cresce constantemente.
Em 1994, de acordo com a autoridade eleitoral da Alemanha, a proporção era de apenas 13%. Nas eleições federais de 2009, atingiu 21% e, no último pleito, em 2017, chegou a 29%.
A pandemia deu um boom adicional à votação postal: nas eleições estaduais nos estados da Renânia-Palatinado e Baden-Württemberg, em 14 de março deste ano, a parcela da população que votou de forma antecipada foi de 66% e 51%, respectivamente. Especialistas preveem que nas próximas eleições, em 26 de setembro, os votos pelo correio cheguem a corresponder a mais de 50% do total.
Ultradireita tenta explorar politicamente
Primeiro "distanciamento social", depois "votação à distância": este desenvolvimento é questionável? Os votos por carta são realmente mais suscetíveis à manipulação e fraude porque ninguém pode verificar exatamente quem preencheu os documentos de votação? Ou, pelo contrário, ele permite que pessoas que de outra forma não teriam como votar participem do processo eleitoral e assim fortaleçam a democracia?
Também na Alemanha, a questão do voto por correspondência é politicamente explorada. Enquanto o Partido Verde até estimula a votação por carta em seus cartazes eleitorais, a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) a vê como um instrumento para fraudes eleitorais. A AfD levou a votação postal ao tribunal várias vezes, mas até agora sem sucesso. A mais recente decisão, do tribunal constitucional do estado da Saxônia-Anhalt, de maio deste ano, autorizou até emendas à lei eleitoral que permitem o voto exclusivamente por correspondência sob certas condições, como uma pandemia.
Desde as eleições federais de 2017, a AfD vem semeando dúvidas sobre o voto por carta. Para o cientista político Daniel Hellmann, pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Parlamentar da Universidade de Halle-Wittenberg, há uma estratégia política por trás disso: a campanha visa ajudar a justificar um possível pior desempenho do partido com alegações não comprovadas de fraude eleitoral.
"A luta contra o voto por carta leva a que as pessoas que votam na AfD também não votem por correio", explica ele. "Esta é uma espécie de profecia autorrealizada, como também vimos nos EUA", completa, em entrevista à DW. Por exemplo, explica ele, Trump disse mais de um ano antes das eleições que o voto por correspondência não era seguro. Quem queria votar em Trump, portanto, não votou por carta. Como resultado, "o voto por correspondência se mostrou fortemente a favor dos democratas", diz Hellmann, "e isso deu combustível para dizerem que houve fraude".
Mais esforço, e daí?
Mas há argumentos contra o voto por carta. "A votação postal só funciona em países com uma administração eleitoral estabelecida e uma distribuição postal sem problemas", diz Stefanie Schiffer, diretora executiva da Plataforma Europeia para Eleições Democráticas (EPDE), que é particularmente ativa na Europa Oriental. "Simplesmente colocar uma cédula eleitoral no correio, nem todas as pessoas querem isso nos países do Leste Europeu."
É fato que o voto por correio consome mais tempo. E exige mais dos eleitores: eles não só têm que fazer uma solicitação separadamente pelo correio ou on-line, como o preenchimento dos documentos de votação também é complicado. Há também trabalho adicional para as autoridades eleitorais no respectivo município, pois o pedido deve ser verificado em relação ao registro eleitoral para que os eleitores não possam votar duas vezes, por carta e nas urnas.
Ao contrário dos EUA, as cédulas enviadas por correio na Alemanha devem ser recebidas até o horário de fechamento das seções eleitorais, às 18h. Depois disso, essas cédulas são contadas ao mesmo tempo que as cédulas depositadas nas urnas. A contagem é aberta ao público, e qualquer cidadão interessado pode participar como observador.
Apesar dos obstáculos burocráticos e das objeções políticas, a revolução do voto por correspondência parece imparável. Talvez as autoridades eleitorais alemãs até vejam o esforço organizacional adicional como uma espécie de desafio positivo. As conversas na mesa da cozinha poderiam substituir no futuro o bate-papo na fila da seção eleitoral.
As três eleições estaduais nos primeiros seis meses deste ano, com uma elevada proporção de votos por correio, sugerem que esta forma de votação não afeta nem a estabilidade política nem o debate político no país. Mais do que isso: eleitores enviando carta em plena era digital é, para mim, uma declaração de amor à democracia.
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Astrid Prange de Oliveira trabalhou como correspondente no Brasil e na América Latina por oito anos. Para a DW Brasil, ela escreveu a coluna Caros Brasileiros durante três anos. Agora, com a coluna Alemanha vota ela retorna como observadora da campanha eleitoral alemã. Siga a jornalista no Twitter: @aposylt
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.