Entrevista
2 de junho de 2009
Junho de 1968: o xá do Irã viaja a Berlim para uma visita oficial à República Federal da Alemanha. Diante da Deutsche Oper, a ópera de Berlim Ocidental, manifestantes protestam contra o xá. O estudante Benno Ohnesorg é baleado pelo policial Karl-Heinz Kurras. Sua morte torna os estudantes ainda mais furiosos com o governo de Berlim.
Agora, 42 anos depois, a descoberta das fichas de Kurras nos arquivos da Stasi – o Ministério da Segurança Estatal, serviço secreto da República Democrática da Alemanha (RDA) – trazem à tona uma revelação inesperada: no dia do fuzilamento de Ohnesorg, Kurras já era seu funcionário inoficial.
A Deutsche Welle entrevistou o sociólogo Reinhard Mohr a respeito do significado dessa descoberta para a história do movimento de 1968.
Deutsche Welle: Sr. Mohr, o policial Kurras, responsável pela morte do estudante Benno Ohnesorg durante a visita do Xá da Pérsia a Berlim em 1967, trabalhava para a Stasi. O que isso significa para o mito de 68?
Isso não deixa de ser uma ironia da história, algo que lança uma série de questões novas. Na época, Kurras era visto como a encarnação de um fascismo latente, atribuído à Alemanha Ocidental. Um sujeito capaz de balear de perto uma pessoa inocente na nuca. Para os estudantes, isso foi um sinal de fogo.
Também não podemos esquecer da pancadaria que já durava o dia inteiro antes desse episódio, da brutalidade por parte dos policiais. E do fato de que a polícia posteriormente também tentou acobertar Kurras, o suspeito de homicídio, um assassino, por assim dizer. Até hoje esse homem não foi punido.
No entanto, não acredito que a história tenha que ser reescrita – mesmo que os governantes de Berlim provavelmente tivessem reagido de outro jeito, mesmo que a editora de jornais e revistas Springer tivesse sido fortemente pressionada a prestar esclarecimentos.
Será que essa informação teria influenciado de outro modo os movimentos terroristas?
Pode ser que sim. Mas isso não passa de especulação. Pouco antes da morte de Ohnesorg, organizações terroristas como a Fração do Exército Vermelho (RAF) ou o Movimento 2 de Junho já tinham atingido um grau de fanatismo tão alto que esse episódio foi um mero estopim, mas não a causa da radicalização. É muito difícil saber o que teria acontecido se tivesse vindo a público que esse policial era um infiltrado da Stasi. No fundo, isso não altera o fato de que o clima em Berlim já era altamente explosivo no dia 2 de junho de 1967.
Quero ler alguns trechos de cartas enviadas por cidadãos berlinenses à Liga Socialista dos Estudantes Alemães. "Fico arrepiado só de pensar que essa corja (ou seja, os adeptos de 68) se tornará futuramente a elite governante da nossa pátria." "O que está faltando aqui é um ministro do Interior como Hermann Goering, que deu conta – brincando – da canalha do Scheunenviertel (antigo bairro judaico de Berlim). Para combater essa praga, só mesmo jogando gasolina em cima e acendendo um fósforo." Na época, o clima era mesmo de pogrom, e depois também, antes do atentado contra Rudi Dutschke. Por tudo isso, eu diria que Kurras foi o instrumento de sabe-se lá que destino entre o Leste e o Ocidente. Mas também foi um procedimento quase lógico com imagens de amigos e inimigos de ambos os lados.
Caso a Stasi pretendesse, com esse assassinato, escrever história no Ocidente, teria tido êxito?
Veja bem, o êxito da Stasi foi a derrocada da República Democrática Alemã. Sabemos que, graças a Deus, nenhum serviço secreto tem o poder sobre o mundo e que a população da Alemanha Oriental acabou triunfando.
O sociólogo Reinhard Mohr foi colaborador da revista PflasterStrand, do diário berlinense taz e do Frankfurter Allgemeine Zeitung. De 1996 a 2004, Mohr foi redator de cultura da revista Der Spiegel. Desde 2006, trabalha para o site Spiegel Online. Entre os livros que publicou, estão Zaungäste (Penetras) e Generation Z oder Von der Zumutung, älter zu werden (Geração Z ou o desaforo de envelhecer).
Autor: Conny Paul
Revisão: Rodrigo Abdelmalack