"Catalunha tem 4 de 10 detenções por jihadismo na Espanha"
18 de agosto de 2017Enquanto outros países da Europa vinham sendo alvo do terrorismo islâmico, desde os ataques de Madri, há 13 anos, a Espanha parecia quase imune à violência terrorista. Esse clima de aparente segurança foi quebrado nesta quinta-feira (17/08), quando um automóvel investiu contra uma área movimentada da metrópole Barcelona, seguido nesta sexta-feira por um atentado semelhante em Cambrils, também na Catalunha. Ambos deixaram um saldo de pelo menos 14 mortos e mais de cem feridos.
A DW entrevistou Jofre Montoto, analista de segurança e autor de um livro sobre o jihadismo, a respeito das causas desse recrudescimento do terrorismo no país. Para o especialista catalão, para garantir a segurança futura dos cidadãos é necessário combater em duas frentes, intensificando as atividades de inteligência e policiais, mas também abordando o aspecto político-social, para detectar a tempo os casos de radicalização jihadista.
DW: Nos últimos anos, a Espanha vinha sendo poupada de atentados, enquanto atos terroristas se sucediam em outros países europeus. Por que esta série de ataques agora?
Jofre Montoto: Até agora as forças de segurança tinham conseguido deter todas as células, mas esta acabou escapando de seu controle. Não se pode garantir 100% de segurança e, no fim, os terroristas alcançaram seu objetivo. Seguramente seguirão tentando, mas as forças de segurança vão aprender com essa experiência, e, para o terrorismo, será cada vez mais difícil.
Embora não houvesse atentados, os alertas estavam ativados há já algum tempo na Catalunha. Pode-se dizer que exista uma cena jihadista na região?
Infelizmente cerca de quatro entre cada dez detidos por jihadismo na Espanha são detidos na Catalunha. Considerando que lá vive 16% da população espanhola, dá para imaginar o movimento que temos na região. Barcelona é uma cidade internacional, com muita mistura e variedade cultural. Além do mais, historicamente fica no meio do corredor do Mediterrâneo, que já era usado pelos romanos, e reúne todas as condições por estar bem situada e por sua importância como ponto logístico. Além disso é mais fácil passar despercebido numa cidade tão cosmopolita do que em cidades menores.
Essa cena jihadista apresenta algum padrão concreto que caracterize seus integrantes?
Não. O padrão mudou. A "primeira geração" foram, por assim dizer, os membros das primeiras redes da Al Qaeda detidos pelos atentados de Madri. Esses eram imigrantes e, em alguns casos, refugiados políticos. Mas posteriormente os perfis mudaram. Temos pequenos delinquentes, universitários, gente com bom emprego, gente de classe social baixa. Ou seja: há de tudo, e não se pode falar de um perfil concreto.
A política e as forças de segurança poderiam ter tomado medidas para evitar que se chegasse a essa situação?
É difícil dizer. Claro que agora se diz, por exemplo, que poderiam ter sido instaladas barreiras físicas para impedir que carros tivessem acesso ao centro de Las Ramblas. Mais do que isso, eu não saberia dizer. Talvez alocar mais meios e mais recursos, mas no fim não sabemos concretamente quantos meios seriam aplicados, e a coisa não teria fim.
Como digo, agora é difícil; quando se tiver toda a informação sobre a célula, de onde vinha e outros dados, seguramente vai se poder dizer mais nesse sentido. Claro que tudo pode ser melhorado, mas as autoridades estavam usando todos os meios que deviam.
Como especialista, o senhor diria que falta mais coordenação entre os órgãos policiais nacionais e internacionais?
Bem, esse é um grande tema. Historicamente a polícia sempre tem sido muito zelosa com a informação. Por quê? Porque ela trabalha para obter informações. A informação é minha e, se a passo adiante, corro o perigo de que ela se perca ou seja utilizada. Pouco a pouco isso está mudando e já melhorou, mas ainda há muita resistência.
Em nível interno, na Espanha não há problemas entre os funcionários dos diferentes órgãos; mas, às vezes, o problema vem de postos mais acima. Ainda assim, a verdade é que melhorou muito. Poucos anos atrás deu-se às polícias autônomas do País Basco e da Catalunha acesso a todos os órgãos de coordenação antiterrorista.
Como deveriam atuar as autoridades para frear perigos como esse no futuro? Que medidas se podem reivindicar a fim de garantir a segurança dos cidadãos?
Para mim, há dois aspectos muito importantes. Primeiro, seguir trabalhando 100% no tema da segurança, nos serviços de inteligência e órgãos policiais. Mas é também preciso trabalhar no que chamo a parte político-social: trabalhar na base, em institutos, com os agentes sociais, para detectar casos de radicalização por jihadismo.
Isso já está sendo feito na Espanha, e chegou-se a identificar gente muito jovem que está se radicalizando. Mas é necessário ir mais adiante, é preciso também conscientizar a população. O jihadismo é uma ideologia política e totalitária, e nem todos os muçulmanos são jihadistas – da mesma forma que nem todos os cristãos brancos são supremacistas, como os que se manifestam nos Estados Unidos por estes dias. É preciso também explicar isso às pessoas, para que não se confundam e não caiam nas mãos de manipuladores racistas – pois esses também existem.