Catalães usam rosas em campanha pela independência da região
26 de abril de 2014As bancas de flores pintam a Praça de Catalunha, no centro de Barcelona, de vermelho escuro. Desta região espanhola vem a tradição de, no dia 23 de abril, mandar rosas e livros de presente para diversas partes do mundo. Já há algum tempo, porém, esse costume ganhou um contorno de propaganda política – as flores são embrulhadas em papel com as cores da bandeira nacional da Catalunha, amarelo e vermelho, ou com uma estrela, que simboliza o desejo de independência da região.
O vendedor de rosas Roger Fernández lembra que no dia 9 de novembro os catalães poderão expressar, por meio do voto, se querem ou não a independência do governo em Madri. Em seu estande, ele vende rosas com a bandeira nacional. Mas ele avisa: "As pessoas têm grandes expectativas, mas eu não acredito em grandes mudanças. Afinal, sabemos como o sistema econômico funciona", diz.
Contra a Constituição
Apesar da data marcada, ainda não se sabe se a votação vai realmente acontecer. O Tribunal Constitucional da Espanha considerou que a consulta popular fere a Constituição democrática. Apesar de a lei garantir a autonomia das regiões, ela assegura a inviolabilidade do território espanhol, cuja soberania é direito de todos os espanhóis, não apenas de uma região.
Por isso, no início deste mês, o Parlamento espanhol negou o pedido para um referendo de independência na Catalunha. Mesmo assim, o chefe de governo da região, Artur Mas, manteve a proposta de pé. Mas afirmou que, se com base nas leis espanholas a votação não puder ser realizada, ele a legitimará no Parlamento regional catalão.
Bom para todos
Artur Mas ressalta que o referendo não tem força de lei. Caso a grande maioria opte pela separação da Espanha, ele pretende conversar com o governo central. Neste caso, a União Europeia também desempenhará um papel importante nas negociações. "A UE deverá intermediar na busca por uma solução que seja boa para a Catalunha, boa para a Espanha e boa para a Europa", disse Mas.
Para reforçar seu discurso, Mas convidou jornalistas de vários veículos de mídia internacional para irem, no Dia do Livro, ao palácio do governo no centro de Barcelona. A imprensa espanhola viu na iniciativa uma tentativa de levar a discussão para o âmbito internacional. Para os espanhóis, a maioria dos Estados da UE considera a discussão um problema interno do país – e acham que os catalães deveriam chegar a um acordo com o governo em Madri.
Integrantes do bloco europeu já deixaram claro que, caso a Catalunha se separe da Espanha, a região não se tornaria membro da UE automaticamente. Para isso, é necessária a aprovação de todos os integrantes do bloco – inclusive da Espanha.
Exigências dos dois lados
Oficialmente, nem os catalães, nem o governo espanhol se recusam a abrir o diálogo. No entanto, o chefe do governo da Espanha, Mariano Rajoy, exige que Mas abra mão do referendo em respeito, segundo ele, à Constituição espanhola. Já os catalães dizem que só negociam com Madri se tiverem o direito de fazer o referendo – 80% dos deputados do Parlamento regional votaram a favor dele.
A via nacionalista, porém, não é partilhada por todos os catalães. Os socialistas da região querem uma mudança na Constituição. Eles defendem que as 17 comunidades autônomas – a maioria delas discute sobre suas competências e financiamentos com o governo espanhol – passem a formar um Estado federal no modelo alemão, e que seja formado um Senado a partir das câmaras regionais. A solução, porém, é complicada porque desconsidera as propostas tanto de Madri quanto de Barcelona.
A quem interessa?
Diversos autores aproveitaram o Dia do Livro para promover suas obras. Entre eles o professor catalão de filosofia Manuel Cruz, que em seu mais recente livro, Una comunidad ensimismada (Uma comunidade ensimesmada), analisa sua terra natal.
Cruz afirma que, na Catalunha, há muito tempo tudo gira praticamente em torno da questão da independência da Espanha. "E as pessoas estão convencidas de que toda a humanidade está interessada na gente. Está se cometendo um grave erro ao contemplar o próprio umbigo", afirma o professor.
Ele conta que Artur Mas chegou a mandar cartas para todos os governos europeus – e praticamente não obteve respostas. "Mas quem assiste à televisão local fica com a impressão de que o mundo inteiro está olhando para cá. A gente sempre se vê com muita complacência e somos imunes a qualquer crítica", alfineta.
A vendedora de flores Merche também se recusa a fazer parte do movimento separatista. "Eu não sou a favor da independência", afirma. Em sua banca as flores não são embaladas em papel com a estrela, ainda que, com isso, ela tenha que arcar com duras perdas. Antigamente ela chegava a vender 500 rosas no Dia do Livro. Hoje, mal chegou a 100.