Holocausto em quadrinhos
5 de fevereiro de 2008Desde que publicou, na edição da última quinta-feira (31/01) do tablóide Bild, trechos do livro de história em quadrinhos sobre o Holocausto que pretende lançar nas escolas alemãs, o telefone do diretor do Centro Anne Frank de Berlim, Thomas Heppener, não pára de tocar.
"Estou um pouco surpreso com as reações exaltadas", afirmou Heppener. "É claro que ouvir as palavras 'história em quadrinhos sobre Hitler' causa espanto, mas logo se vê que se trata de uma tentativa séria de encontrar novos caminhos para abordar a história numa época em que as testemunhas do Holocausto estão morrendo e os jovens perdem cada vez mais o interesse por este período", acrescentou.
A nova ferramenta de ensino surgiu da preocupação gerada por estudos que comprovam que crianças da Alemanha reunificada sabem muito pouco sobre o Holocausto.
O livro, o primeiro do tipo na Alemanha, deverá ser introduzido através de uma programa piloto de seis meses em 15 escolas de ensino médio de Berlim e do estado da Renânia do Norte-Vestfália, como complementação do currículo de História. O projeto, rico em dados e fatos históricos, também será testado na Polônia e na Hungria.
Pelos olhos de família judia de ficção
O livro, intitulado Die Suche (A Busca) e produzido originalmente pelo instituto holandês Centro Anne Frank, relata eventos fundamentais da era nazista pela ótica de uma família judia fictícia, os Hecht.
As ilustrações no estilo de Hergé, cartunista de Tin Tin, são do artista holandês Eric Heuvel. A história se inicia em 2007 com Esther Hecht contando ao seu neto Daniel como seus pais foram presos pelos nazistas, no início da Segunda Guerra Mundial, e sua subseqüente deportação para Auschwitz, juntamente com um vizinho chamado Bob.
Esther conseguiu escapar do campo de extermínio, mas seus pais foram mortos. Após pesquisas na internet, Daniel localiza Bob, que sobreviveu a Auschwitz, o que estimula Esther a começar a falar sobre suas experiências.
O livro contém ilustrações dos férvidos discursos de Hitler para as massas alemãs, detalhes da difamada Conferência de Wannsee de 1941, quando a liderança nazista se decidiu pela assim chamada "solução final", ou seja, o genocídio através dos horrores nas câmaras de gás e da brutalidade arbitrária nos campos de concentração.
Jovens sabem pouco sobre História do século 20
De acordo com Maatje Mostart, assessora de imprensa do Centro Anne Frank de Amsterdã, o livro já foi testado com crianças de escolas holandesas e foi um sucesso. Um predecessor de A Busca foi lançado no país em 2004 e ainda é usado em escolas por toda a Holanda.
Ainda que o livro deva se tornar motivo de controvérsia na Alemanha, país onde fazer piadas públicas sobre o nazismo pode ser motivo de demissão e a representação de qualquer insígnia nazista é proibida por lei, a história em quadrinhos deverá ser bem aceita nas salas de aula.
Estudos recentes mostram que alemães com menos de 20 anos conhecem excepcionalmente pouco da história do século 20. Enquanto Hitler é reconhecido por todos, somente um entre três alunos conheciam o significado da palavra Holocausto. Menos de um entre dez soube identificar o ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels.
Refrescar tema complexo
Na Alemanha, as aulas de História são uma combinação de aula expositiva e discussão. Livros didáticos espessos, documentários e visitas a campos de concentração fazem parte dos métodos de ensino sobre este capítulo da história. O livro de quadrinhos poderá refrescar a veiculação de um tema complexo que em geral é tratado de forma demasiadamente acadêmica.
"Estudos mostraram que o aprendizado do Holocausto na escola é, muitas vezes, cansativo para os alunos e que, freqüentemente, estes são emocionalmente sobrecarregados pela carga moral implícita", explica Verena Radkau-Garcia, do Instituto Georg Eckert de Braunschweig, especializado em pesquisas sobre livros didáticos.
"O livro em quadrinhos, se ensinado com adequação e responsabilidade, pode ser um material paradidático interessante e refrescante para o currículo de História", esclarece ela.