Cerveja belga em tempos de quarentena: online e a domicílio
26 de abril de 2020Garrafas marrom-escuro de 330 mililitros sacolejam pela esteira industrial. Uma após a outra, são enchidas com cerveja por uma máquina especial. Depois é aplicada a tampa, mais tarde uma etiqueta colorida onde se lê En Stoemelings, o nome de uma pequena cervejaria na zona industrial de Bruxelas.
Mantendo a devida distância, seu cofundador e chefe, Samuel Languy, guia o caminho através de caldeiras, estrados e pilhas de caixas de papelão. Em cada uma, há seis grupos de quatro garrafas, um formato prático para abastecer os fregueses para quem, em tempos de confinamento pelo coronavírus, a própria varanda virou bar, e a cozinha, restaurante.
Quando, em meados de março, o governo da Bélgica decretou várias semanas de confinamento domiciliar devido à pandemia, Languy e sua equipe entraram em estado de choque, como tantos outros que sofreram diretamente o impacto econômico do fechamento de lojas, bares e cafés. "Não tínhamos a menor ideia do que fazer", comenta.
Pois a En Stoemelings deve 90% de seu faturamento aos bares e restaurantes, e esse dinheiro não entraria mais. Para o dono da fábrica, isso significou, pelo menos no primeiro momento, demitir todos os empregados e suspender a fabricação de cerveja por tempo indeterminado.
Contudo, ainda no mesmo dia, o empresário escreveu a todos os amigos e conhecidos, lotou o carro de caixas de cerveja, numa tentativa de fazer chegar ao consumidor pelo menos o resto do estoque de sua cervejaria.
A iniciativa foi um sucesso: "Como, de uma hora para outra, eles tiveram que ficar em casa, uma das primeiras perguntas - afinal de contas, estamos na Bélgica - foi: 'Agora, de onde vai vir minha cerveja?'"
Languy passou então a vender o produto online, utilizando um serviço de entregas de bicicleta para fazê-lo chegar até os compradores. Ele não é o único a ter essa ideia: outros produtores de bebidas e gêneros alimentícios da Bélgica estão apostando na mesma estratégia.
Preço alto, pago com prazer
O esquema da En Stoemelivery – como a cervejaria se chama provisoriamente, num jogo de palavras com delivery ("entregas" em inglês) – está dando certo: os estoques se esgotaram e os funcionários não estão mais desempregados, pois começaram a produzir novamente. Nesse ínterim, o faturamento é o mesmo de antes da quarentena, revela Samuel Languy.
Parte do sucesso se deve à moda da assim chamada "craft beer", que há alguns anos se alastrou pela Bélgica, conhecida por sua cultura cervejeira - e por seu elevado consumo da bebida. Desse modo, as pequenas cervejarias locais se impõem, com criatividade, contra hegemonia da grande indústria.
O produto da En Stoemelings não é exatamente uma pechincha: uma caixa com 24 garrafinhas custa 45 euros, a entrega a domicílio exige outros 10 euros. Mas os clientes pagam com prazer, afirma Languy, "porque sabem que assim a nossa equipe tem trabalho, da mesma forma que os entregadores".
Há quem até desembolse por antecipação, só pela perspectiva de saborear uma cerveja gelada com a consciência tranquila. Através de iniciativas como "Café Solidarité" ou "Café Courage", os amigos do copo podem comprar agora vales para bebidas a serem descontados no bar de sua preferência após o fim da quarentena.
A responsável pelo "Café Courage" é a maior cervejaria do mundo, AB InBev. A porta-voz da multinacional sediada na cidade belga de Leuven não fornece dados sobre seu faturamento em tempos de crise de covid-19, limitando-se a comentar que "praticamente todos os setores estão afetados, e a indústria da cerveja não é exceção".
E embora, como noticia o jornal belga Le Soir, os supermercados do país estejam vendendo mais bebidas alcoólicas desde o início do confinamento compulsório, é difícil compensar o faturamento normal feito nos bares e restaurantes, acrescenta a AB InBev.
Quarentena e alcoolismo
Segundo a psicóloga Emilia Bogdanowicz, alguns cidadãos estão até bebendo menos. "Um motivo é que há menos eventos sociais", mas também há mais controle: quem costumava recorrer ao álcool em segredo não pode mais fazê-lo com tanta facilidade e frequência, com a família toda sempre em casa.
Outros decidiram cuidar mais da própria saúde, justamente por causa da pandemia, é contêm seu consumo alcoólico. Bogdanowicz conta que Le Pélican, o centro de aconselhamento em Bruxelas para indivíduos com problemas de alcoolismo, onde ela trabalha, está recebendo mais consultas.
Ela atribui o fato, em parte, à menor oferta disponível no momento. Mas a experiência mostra que, em tempos como os atuais, quem é muito isolado ou tem problemas com o parceiro ou a família, tende, antes, a consumir mais álcool.
Samuel Languy está perfeitamente consciente do lado negativo de seu produto. "Conhecemos todos que no momento bebem muito. Às vezes dizemos, brincando, que produzimos drogas legais. E essa é verdade, claro." Por outro lado, também são muitos os que se mostram felizes por poderem tomar sua cervejinha na santa paz do lar.
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