Revolução Cultural
24 de agosto de 2011Durante dez anos, de 1966 a 1976, as assim chamadas Guardas Vermelhas lideraram a Revolução Cultural da China, aterrorizando a nação. Sua meta era erradicar o pensamento confuciano tradicional, a fim de difundir a ideologia de Mao Tsé-tung.
Ao fim dessa época, três números dão uma ideia da ação dos guardas vermelhos: 100 milhões de chineses foram submetidos a chicanas e humilhações no contexto do movimento de massa; 20 milhões perderam a vida; e 800 bilhões de iuanes – cerca de 87 bilhões de euros – foram jogados pela janela.
Inúmeros monumentos culturais foram destruídos e obras literárias foram queimadas. É praticamente impossível calcular esses prejuízos em dinheiro.
Antes e depois de Mao
Para Song Yongyi, professor da California State University e colaborador do Dicionário Histórico da Revolução Cultural, o maior dano cometido nesse contexto foi a aniquilação dos valores morais. "Os chineses dão grande valor às relações familiares. Durante a Revolução Cultural era comum os pais serem denunciados pelos filhos e casais se denunciarem mutuamente ao sistema. Os valores tradicionais mais fundamentais se perderam."
Apesar dos numerosos efeitos negativos acarretados pela revolução, o historiador Xu Youyu, de Pequim, aponta também aspectos positivos da campanha comunista. Afinal de contas, ela revelou todas as falhas do sistema político vigente e os erros dos governantes. "Sem o quase colapso da economia e da Justiça, a República Popular provavelmente não teria adotado o caminho da política de reforma e abertura", declarou Xu à Deutsche Welle.
A morte de Mao, em 1976, marcou o fim da Revolução Cultural e o princípio de uma nova era. Milhares de detratores do líder, até então rotulados como antirrevolucionários, foram pouco a pouco reabilitados. Aqueles que haviam sofrido todo esse tempo sob o cruel movimento político, agora tinham coragem de expressar sua raiva. Insígnias maoístas, assim como tudo que recordasse a Revolução Cultural, foram vendidas para o ferro-velho. Alguns anos antes, isso teria sido punido com a morte.
O líder vive
Porém Mao nunca desapareceu realmente, nem do palco político, nem da sociedade chinesa. Seu retrato de proporções gigantescas continua pendendo sobre o portão da Praça da Paz Celestial. A efígie do líder igualmente ilustra a cédula de 100 iuanes. A ideologia de Mao continua sendo disciplina obrigatória nas universidades chinesas.
"Depois de 1978, considerou-se seriamente retirar o retrato de Mao", diz o professor de sinologia Daniel Leese, de Freiburg . "Na época, com muita propriedade, Deng Xiaoping observou que traria mais problemas retirá-lo do que mantê-lo."
Na União Soviética fora possível execrar Stalin porque ainda havia Lenin. Mas, na China, Mao Tsé-tung não era substituível, diz o autor do livro Mao Cult. Rhetoric and Ritual in the Cultural Revolution (Culto a Mao: Retórica e ritual na Revolução Cultural). O líder morto era o próprio símbolo do partido e do domínio comunista. Até hoje, o Partido Comunista da China se legitima através de Mao.
"Canções vermelhas" e nostalgia
Mas não é apenas o partido a instrumentalizar o líder, de forma bem calculista. Também entre a população se percebe uma renascença da cultura maoísta. Nos últimos anos, cada vez mais coros amadores cantam "canções vermelhas" – velhas melodias socialistas da era Mao – nos grandes parques da capital. Segundo Leese, o motivo de tal expressão de nostalgia é a saudade dos velhos tempos.
O gritante abismo atual entre pobres e ricos faz sobretudo os cidadãos mais idosos pensarem na época em que todos eram igualmente pobres. Para Xu, trata-se também de uma expressão da insatisfação popular e de uma crítica ao governo atual. Embora o povo goste de cantar essas canções, há muito não mais concorda com a ideologia que elas propagam.
Ainda hoje, continua sendo impossível criticar abertamente a ideologia comunista, ou se ocupar criticamente com a era Mao na China. Da mesma forma, a pesquisa histórica sobre os anos da Revolução Cultural segue sendo vedada.
Xu Youyu foi diversas vezes convocado a apresentar-se à polícia devido a suas atividades científicas. Também Song Yongyi, ele próprio ex-integrante da Guarda Vermelha, foi preso durante uma viagem de pesquisa pela China em 1999. Hoje ele vive nos Estados Unidos.
Atualmente, Song trabalha para elaborar diversos bancos de dados sobre as fases mais importantes da Revolução Cultural. Falando à Deutsche Welle, fez questão de acentuar que ele e outros historiadores simplesmente desejam formar uma imagem da história que seja fiel à verdade: isso é algo que julgam dever às vítimas da Revolução Cultural e às gerações mais jovens.
Autora: Xiegong Fischer (av)
Revisão: Alexandre Schossler