Entrevista
7 de novembro de 2008Nos últimos anos, observou-se o rápido crescimento das relações econômicas entre a China e a América Latina. Se, por um lado, o boom inicial das exportações de matérias-primas ao Império do Meio muito alegrou os governos latino-americanos, por outro, a região passou a temer a invasão de produtos chineses e a desaceleração de suas exportações à China devido aos efeitos da crise financeira.
Sobre o tema, a Deutsche Welle entrevistou o especialista em América Latina e professor de Economia de Desenvolvimento da Universidade de Heidelberg, Hartmut Sangmeister, que a convite do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga) de Hamburgo palestrou nesta semana sobre o tema "China e América Latina: parceiros comerciais ou rivais?".
Deutsche Welle: Sua pesquisa A Conexão China: os interesses econômicos chineses na América Latina foi publicada em setembro de 2008, pouco antes da eclosão da crise financeira internacional. À luz dos novos acontecimentos, que conclusões ou prognósticos corrigiria?
Recentemente, passei três semanas na China e conversei com empresários e cientistas locais sobre como estavam sendo afetadas as perspectivas econômicas do país pela atual crise financeira. Chegamos à conclusão de que a China não poderá sustentar o atual grau de crescimento econômico e isso traz conseqüências de peso para seus parceiros comerciais na América Latina. Os setores ligados ao desenvolvimento de alta tecnologia para foguetes, satélites e a indústria da aviação não serão muito afetados, mas é um campo de pouca colaboração entre China e América Latina.
Os países que se verão, de imediato, mais afetados pela desaceleração da economia chinesa serão o Brasil e o Chile, exportadores de matéria-prima por excelência para os chineses.
Aceitando que a atual crise financeira que assola os Estados Unidos e a Europa leve a China a vender seus produtos ainda mais baratos para a América Latina, que países e setores produtivos serão mais afetados pela concorrência chinesa e como eles poderiam proteger suas respectivas economias?
México, Guatemala e outros países centro-americanos teriam muito a perder com tal concorrência, pois produzem as mesmas mercadorias que a China: têxteis, sapatos, brinquedos, eletrodomésticos e outros objetos de baixa complexidade tecnológica. A indústria brasileira de sapatos também sofreria o baque da oferta maciça de produtos chineses se o governo não tivesse implementado uma política protecionista forte nesse setor.
Mas essa também não é uma medida sustentável para garantir a saúde da economia nacional. A história da economia mundial nos ensina que, a longo prazo, o protecionismo não faz sentido.
Como os países latino-americanos podem competir em igualdade de condições com a China e outras potências sem implementar condições de trabalho inumanas, processos produtivos danosos ao meio-ambiente ou pacotes econômicos que elevem o índice de pobreza?
Além do protecionismo ou da liberalização da economia, existe uma terceira opção: o investimento maciço na pesquisa científica, na capacidade inovadora e na educação. Não somente no ensino universitário, mas sobretudo no fundamental e médio. Grande parte da população jovem da América Latina carece da educação mais fundamental e isso faz com que um potencial valioso para o desenvolvimento da região passe despercebido e seja desperdiçado.
Busca-se mão-de-obra barata e sem educação formal na China e na África porque o nível salarial na América Latina já está demasiado alto. A América Latina só poderá competir no mercado internacional quando investir maciçamente no capital humano que já tem, ou seja, quando preparar sua população para exercer atividades que agreguem alto valor à produção.
As sociedades latino-americanas têm uma vontade competitiva perante a China: seus cidadãos têm potencial para reflexão criativa e para o desenvolvimento de inovações. Mas essa vantagem só pode ser aproveitada se o sistema educacional for otimizado.
Em sua palestra, o senhor falou que as relações econômicas entre nações não geram, necessariamente, receitas eqüitativas para as partes envolvidas. No caso das relações sino-latino-americanas, quais são os intercâmbios comerciais mais proveitosos para ambas as partes?
Aqueles em que as necessidades de ambas as partes melhor se complementam. As relações da China com o Brasil são muito boas. Quando se pergunta a um exportador chinês sobre a América Latina, é bem provável que ele só conheça o Brasil. Todos os demais pouco interessam porque o Brasil compra seus produtos acabados e lhes vende matérias-primas de vital importância.
O México e a maioria dos países centro-americanos produzem a mesma mercadoria que a China e entram em competição com esta, mas em posição desvantajosa. Eles são rivais no mercado internacional.
Os EUA temem que seu abastecimento energético seja afetado negativamente devido à exportação de recursos energéticos da América Latina para a China. Que razões a Europa teria – em especial a Alemanha – para temer a conexão China-América Latina?
A Europa recebe matéria-prima da América Latina, mas muito poucos recursos energéticos e, por conseqüência, tem pouco a temer. O que os EUA temem é o namoro do governo venezuelano com o chinês, a intenção de enviar petróleo para o outro lado do Pacífico, a dureza do discurso antiamericano de Chávez e a disposição da China – mais retórica que de fato – de apoiar os países latino-americanos que desejam tornar-se economicamente independentes do big brother do norte.
Mas o envio de petróleo da Venezuela para a China é complicado e muito dispendioso do ponto de vista logístico e técnico. Além disso, a China investiu maciçamente numa cadeia de produção na África – desde a produção até o transporte, passando pelo processamento e pela infra-estrutura – para poder tirar dali grande parte de seus recursos energéticos.
Pode-se dizer que a América Latina recebeu a China de braços abertos, mas há setores influentes que sempre sustentaram uma posição crítica perante esse país, principalmente em matéria de direitos humanos e ecologia...
Certamente nem todos os projetos de investimentos anunciados por empresas chinesas são levados a cabo. Os investidores chineses tiveram que aprender que as sociedades civis latino-americanas têm a vontade e a capacidade de recusar projetos que julguem desfavoráveis para seus interesses.
Por exemplo, protestos de ecologistas retardaram consideravelmente a construção de uma siderúrgica no estado brasileiro do Maranhão, avaliada em quase 4 bilhões de dólares. Sua inauguração estava prevista para 2005, mas seu planejamento foi retomado apenas em abril de 2007 após serem introduzidas as modificações inspiradas por esses protestos.