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Com recuperação lenta, Brasil deve retroceder ao PIB de 2016

15 de julho de 2020

Projeção da FGV mostra que, mesmo com alta de 2,5% do PIB em 2021, economia estaria no nível de cinco anos antes. Recuperação é afetada por deterioração do mercado de trabalho, endividamento das empresas e instabilidade.

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Foto: picture-alliance/F. Souza

Mesmo com a previsão de uma alta do Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de 2,5% em 2021, a economia brasileira deverá fechar o próximo ano num nível parecido ao de 2016, segundo projeção da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em termos de PIB per capita, o retrocesso seria ao patamar de 2009. Na previsão da Tendências Consultoria, o país só atingirá o PIB pré-pandemia em 2023.

A recuperação dos danos econômicos que vieram na esteira da pandemia, dizem economistas, deve começar a aparecer já neste ano, com altas do PIB no terceiro e no quarto trimestres, puxadas pelo consumo interno.

Mas esse caminho será lento e com desafios, entre eles a deterioração do mercado de trabalho e a dificuldade de atração de investimentos externos diante do cenário de incerteza político-institucional e com impacto importante também da questão ambiental, que ameaça acordos comerciais e investimentos.

Economistas já dão como certo que 2020 será o ano com a pior queda de PIB desde 1900, quando começa a série histórica. Se a crise é grave no mundo todo, no Brasil ela se torna ainda mais dramática porque o país não havia se recuperado completamente da crise anterior e tem um contexto de famílias e empresas endividadas e situação frágil no mercado de trabalho.

As projeções variam muito: para o governo brasileiro, a estimativa é de queda de 4,7% neste ano e de alta de 3,2% no próximo. Há três semanas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu a previsão de recuo deste ano de 5,3% para 9,1%, com perspectiva de 3,6% de alta no ano que vem. O mercado espera uma queda de 6,1%, segundo a última consulta feita pelo Banco Central, e alta de 3,5% em 2021.

De forma geral, há consenso entre os economistas de que foi acertada a medida aprovada pelo Congresso que concedeu auxílio emergencial de R$ 600 para os mais vulneráveis. Sem isso, dizem, a catástrofe seria ainda maior. Mas, agora, o governo precisa se equilibrar entre os gastos sociais e o aumento da dívida pública. Além disso, há críticas a respeito da instabilidade política e da condução das políticas de contenção da própria pandemia, que acabam afetando também a retomada.

Comércio e indústria reagem

Na última semana, dados do IBGE mostraram uma melhora do varejo e da indústria em maio, que vieram com resultados acima do esperado, mas que refletem em parte a base de comparação muito deteriorada de abril, quando a economia afundou. Os serviços, no entanto, que respondem por 70% do PIB e mais da metade dos empregos, ainda sofrem.

"Realmente, o pior foi em abril, os dados de maio já mostram uma melhora em relação a abril, mesmo estando negativos em relação ao ano passado, até melhor do que o mercado esperava, o que é um pouco reconfortador", afirma o coordenador do Centro Macro Brasil da FGV, Marcelo Kfoury Muinhos. "Está crescendo um pouco a perspectiva de que pode haver uma recuperação em V, com queda significativa no segundo trimestre, mas já no terceiro um crescimento entre 2% e 3%".

Mas nem todo mundo acredita na recuperação em V – jargão econômico que se refere a uma queda brusca seguida de uma rápida e intensa recuperação –, apregoada também pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. "Esse comportamento do setor de serviços nos deixa cautelosos com possíveis revisões das projeções. Nós prevemos queda de 7,3% neste ano e alta de 3,4% no ano que vem", diz a economista-chefe da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro.

Outro motivo para a cautela, segundo ela, tem que ver com a própria evolução da pandemia no Brasil. "As mortes sem sustentam na casa de mil por dia, e isso nos mantêm cautelosos, no sentido de que esse quadro está aí, algumas localidades que flexibilizaram estão voltando atrás, e isso limita o ritmo de reação da economia."

Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves de Lima, o crescimento previsto no ano que vem, que é de 2,9% nas projeções da instituição, está muito relacionado ao efeito da queda forte neste ano. "Podemos crescer 3% no ano que vem, mas com isso retornamos ao ritmo em que estávamos na virada do ano [de 2019 para 2020], que é muito fraco. O nível da economia continua muito abaixo do que já foi."

Mercado de trabalho deve piorar em 2021

A recuperação não vai ser em V exatamente por causa do mercado de trabalho, segundo o economista do Fator. "V é cair 6% e subir 6%", exemplifica Lima. Isso teria relação com a profundidade e a duração das dificuldades das empresas.

"Em maio de 2018, na greve dos caminhoneiros, a economia despencou, mas, acabada a obstrução, a maior parte dos indicadores voltou ao normal. Ali sim foi um V", diz Gonçalves. "Mas a empresa que demitiu em março e abril não vai contratar em agosto. Parte delas nem existe mais, basta olhar os números de falências e recuperação judicial."

A expectativa da FGV é que a taxa de desocupação fique entre 15% e 16% no próximo ano – no trimestre encerrado em maio ela ficou em 12,9%. Isso porque pessoas que hoje não estão procurando emprego, seja pelas medidas de isolamento, seja porque contam com o auxílio emergencial do governo, voltariam à busca no próximo ano, engrossando a fila dos desocupados. No trimestre encerrado em maio, apenas 49,5% das pessoas com idade de trabalhar estavam ocupadas, a menor taxa já registrada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), cuja série começa em 2012.

Investimentos têm obstáculos

Deve ser mais uma vez o consumo, e não o investimento, que puxará a recuperação, na avaliação dos economistas, como já vinha ocorrendo nos últimos três anos de "pibinho", embora com diversas restrições, dada a situação do mercado de trabalho.

Sem investimentos do governo federal, que se comprometeu com um agenda de ajuste fiscal nesta gestão, parte do mercado esperava, ainda antes da pandemia, que a iniciativa privada ocupasse esse espaço de investimentos, o que não aconteceu. Agora deve ficar mais difícil.

Um dos motivos é o alto endividamento das empresas. Um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostrou que, das 226 companhias não-financeiras com ações negociadas na bolsa de valores paulista, a relação entre capital próprio e endividamento era de quase 77% ao final de 2019. Isso significa que, para cada R$ 1 em dinheiro dos sócios, as empresas têm R$ 0,77 em financiamentos.

"É um crescimento de endividamento sobre uma trajetória em que ainda não se havia resolvido o aumento da dívida das empresas da crise de 2015 e 2016. Estamos acumulando crises", diz o economista do Iedi Rafael Cagnin. Se as grandes empresas estão nessa situação, diz, o contexto das pequenas e médias é pior.

Além disso, há muita capacidade ociosa, o que significa que antes de investir em expanção da produção, comprar maquinário e contratar mais, as empresas precisam ainda voltar a utilizar os meios de produção que estão parados.

O nível de utilização da capacidade instalada da indústria caiu para 57,3 pontos em abril, segundo o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, o pior índice desde 2001, quando começou a série. Contudo, é importante ressaltar que a indústria não foi toda afetada da mesma forma. Enquanto vestuário, veículos automotores e calçados sofreram forte impacto, segmentos como o farmacêutico e o de alimentos praticamente não registraram queda.

O ambiente de instabilidade político-institucional é outro fator que atrapalha a atração de investimentos privados, já que gera incerteza, até mesmo regulatória. "Nossos modelos apontam que não é só juro baixo ([ necessário para atrair investimentos], a incerteza política contribui muito, é a variável-chave para investimento", diz a coordenadora do Boletim Macro do Ibre, Silvia Matos. 

Dívida pública deve chegar a 93% do PIB

O orçamento federal de 2021 prevê R$ 31 bilhões a mais que neste ano, o menor acréscimo desde que passou a valer a regra do teto de gastos, estabelecida para conter a explosão da dívida pública em relação ao PIB. Neste ano, essa relação deve alcançar 93%, ante 76% no ano passado.

Nos cálculos da economista Silvia Matos, o governo desembolsou cerca de R$ 600 bilhões em medidas de amortecimento dos impactos econômicos da pandemia, ou 8,5% do PIB. Com isso, o déficit primário saltará de 2% do PIB, no ano passado, para 12%. Na média da América Latina, sairá de 0% para 7,5%.

"Essa saída da recessão vai demandar esforço de reavaliação do gasto muito maior, porque o teto está aí, vamos ter pouco espaço, e com uma demanda social muito grande, com taxa de emprego elevada e renda menor. Tenho muita preocupação porque não necessariamente o resultado disso vai ser bom para a sociedade", avalia Matos.

Diante da necessidade de socorrer empresas e a população mais vulnerável, até mesmo para sustentar o consumo, parte dos economistas passou a contrariar a defesa do governo de que é necessário voltar ao ajuste fiscal mais duro já no ano que vem – embora esteja longe de haver unanimidade.

O economista do IEDI defende que o governo sinalize a volta das reformas estruturais, como a tributária, para a melhora do ambiente de negócios, e um "realismo em metas e objetivos".

"Organismos como FMI, Banco Mundial e OCDE, mesmo nos cenários mais otimistas, pressupõem a continuidade de muitas das medidas emergenciais que foram adotadas durante a pandemia. Elas podem ser recalibradas, mas não dá para tirar de uma hora para outra", afirma. "A relação dívida-PIB tem um numerador, que é a dívida, e um denominador, que é o PIB; se o PIB se recupera, a relação melhora."

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