Como a Europa vê a ascensão de Trump
3 de março de 2016"Eu votaria nele", afirmou o populista de direita francês Jean-Marie Le Pen há alguns dias, no Twitter, referindo-se ao pré-candidato republicano Donald Trump. O anúncio não foi bem uma surpresa – membros da Frente Nacional já haviam manifestado várias vezes simpatia pelo magnata americano.
A atual presidente do partido, Marine Le Pen, disse que Trump se engaja pelos "desfavorecidos". Já o vice-presidente da legenda, Florian Philippot, afirmou que o magnata e o pré-candidato democrata Bernie Sanders estão se saindo bem entre os republicanos e democratas.
"Isso prova que, também nos Estados Unidos, o establishment está sendo desafiado", disse Philippot, pouco antes da Superterça.
Os "desfavorecidos", o "establishment": com declarações desse tipo, Le Pen e Philippot confirmam os temores que a candidatura de Trump desperta na Europa. O jornal francês Le Monde, por exemplo, afirma que, se a candidatura do republicano for bem-sucedida e Trump de fato estiver na Casa Branca em 2017, isso pode ser um novo estímulo para os populistas da direita na Europa.
A consequência, escreve o diário, seria a destruição da cultura política do Velho Continente e o fim da diversidade política que caracterizou a Europa nas últimas décadas. Um populista, argumenta o Le Monde, considera correto apenas o próprio programa: "O verdadeiro populista não vai se contentar em criticar as elites. Afinal, ele é também um antipluralista: ele acredita ser o único a representar o povo autêntico de forma apropriada."
Lembra Berlusconi
Tendências desse tipo também estão se fortalecendo na Europa, prossegue o Le Monde. "Os populistas europeus desconfiam constantemente do processo democrático que não produz o resultado que eles consideram o único correto." Um exemplo é o holandês Geert Wilders, que chamou o Parlamento holandês de fraudulento. E o próprio Trump, que acusou o concorrente Ted Cruz de fraude eleitoral depois da vitória deste em Iowa.
A jornalista italiana Gloria Orrigi escreve no jornal Il fatto quotidiano que as manobras eleitorais de Trump a fazem lembrar do antigo primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Assim como Berlusconi, Trump também cultiva a imagem de outsider, ao mesmo tempo em que aproveita todas as possibilidades que o sistema político lhe oferece.
E, assim como Berlusconi, também Trump trabalha principalmente a sua imagem. "Não se sabe o que ele fará politicamente com o seu sucesso. Certamente isso não vai ter nada a ver com o que esperam ou querem os cidadãos que agora gritam encantados o nome Trump – como se ele fosse um elixir que elimina a vontade própria deles. A única coisa que Trump vende é o nome Trump, e quanto melhor ele o vende, melhor saberá vendê-lo no futuro."
Programa político incerto
De fato, é difícil saber como seria a política feita por Trump, escreve o jornal britânico The Spectator. "Não temos a menor ideia de como seria um governo Trump", afirmou o cientista político americano Anthony Cordesman ao jornal. Até agora, Trump só fez exigências. Em caso de vitória, porém, ele terá de governar um país.
"Ele vai elevar ou reduzir o orçamento militar? Alguém sabe responder? Uma hora ele defende que se lancem mais bombas na Síria, outra hora é o contrário", comenta Cordesman. De uma forma ou de outra, essas são decisões que também vão afetar enormemente a Europa.
O jornal The Guardian, também britânico, afirma que Trump cultiva uma retórica do egocentrismo e do isolamento. Ele prega que se pode alcançar tudo na vida se os outros não impedirem. "E Trump insiste que os outros são os imigrantes: muçulmanos, mexicanos, os de sempre." Para o jornal, o Reino Unido não tem o seu próprio Trump porque, no país, o isolamento se articula de uma maneira mais sutil. Ele existe e se volta contra a União Europeia, afirma.
O ministro do Exterior da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, também aludiu ao isolamento – sem usar a palavra – quando diagnosticou uma "política do medo" nos Estados Unidos. O grande temor dos políticos europeus é que essa "política" também possa se espalhar pela Europa. E em praticamente toda a Europa existem partidos que apostam na lógica do medo e do isolamento.