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SaúdeÍndia

Deficientes visuais ajudam a combater o câncer de mama

29 de julho de 2023

Mulheres cegas usam o sentido altamente desenvolvido do tato para detectar os nódulos em estágios iniciais. Estudo recente comprova que elas são mais eficientes do que as mamografias, com apenas 1% de insucesso.

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Mulher deficiente visual trabalha como examinadora médica táctil na Índia
As examinadoras médicas tácteis (METs) possuem alto índice de eficácia, não trazem risco de radiação e são economicamente vantajosasFoto: Midhat Fatimah/DW

Meenakshi Gupta, residente em Nova Déli, é deficiente visual desde o nascimento. Todas as manhãs, ela se junta milhares de usuários do metrô da cidade e viaja em torno de 90 minutos até um hospital, onde dá início a mais um dia salvando vidas.

Seu trabalho é detectar câncer de mama em mulheres. Muitas de suas pacientes demonstram ceticismo ao serem examinadas por uma deficiente visual, mas várias delas consideram Gupta uma fonte de inspiração.

"Por ser treinada a ajudar a detectar o câncer de mama, estou apta a encontrar os nódulos mais pequenos, o que pode ser crucial para salvar uma vida", afirmou a indiana à DW.

Nos últimos oito meses, a mulher de 31 anos realizou mais de 100 testes em seu trabalho como examinadora médica táctil (MTE, na sigla em inglês).

É uma nova profissão, um papel especializado para mulheres deficientes visuais. Estudos comprovam que pessoas com essa deficiência desenvolvem um sentido do tato mais apurado. 

MTEs em vários continentes

Os exames médicos táteis foram desenvolvidos originalmente pelo ginecologista alemão Frank Hoffmann. Em 2011, ele deu início à iniciativa social "Mãos que revelam", através da qual mulheres com deficiência visual eram treinadas para se tornarem MTEs.

"Antes eu usava a mamografia para detectar o câncer de mama, mas agora meus pacientes podem ter os nódulos malignos detectados pelas MTEs, que não trazem risco de radiação e são economicamente vantajosas", diz Hoffmann.

Até o momento, 50 pessoas foram treinadas como MTEs na Alemanha. O programa foi ampliado para outros países, como Áustria e Suíça, e também para Índia, Colômbia e México. Esses dois últimos foram forçados a suspender as atividades desde o início da pandemia de covid-19.

Na Índia, a iniciativa foi introduzida pela Associação Nacional do Centro Indiano para Mulheres com Deficiência Visual e Estudos de Deficiências (NABCBW) em 2017. Até o momento, 18 MTEs já foram treinadas e outras oito estão em treinamento.

"Inicialmente, tínhamos nossas dúvidas sobre como as deficientes visuais conseguiriam realizar uma tarefa tão complexa, mas fui convencida depois de ver na Alemanha a maneira meticulosa como as mulheres examinavam cada centímetro", afirmou à DW a diretora do NABCBW, Shalini Khanna.

Candidatas devem concluir estágio em medicina

A NABCBW promove unidades de exames em diferentes partes do país deste dezembro. As MTEs treinadas no centro já examinaram mais de mil mulheres.

Um estudo de 2019 concluiu que os exames clínicos para detectar câncer de mama feito pelas MTEs possui nível de precisão semelhante aos realizados pelos médicos

O programe exige que as mulheres realizem um rigoroso treinamento de 9 meses que inclui um estágio de três meses em uma clínica médica.

Durante o treinamento, elas estudam inglês, informática, conhecimentos fundamentais da anatomia humana e psicologia voltada ao câncer de mama. As mulheres aprendem sobre os tipos de câncer e os tratamentos e terapias prescritos por ginecologistas e oncologistas.

"O sistema de educação para as alunas deficientes visuais na Índia é um dos maiores desafios que enfrentamos nesse programa, porque a maioria das crianças com essa deficiência não chega a estudar ciências no ensino médio", disse Khanna.

Em um país multilíngue como a Índia, as ciências médicas são ensinadas em inglês, o que exige que as mulheres aprendam em primeiro lugar o idioma.

Alternativa real à mamografia?

O diagnóstico prematuro é fundamental na luta contra o câncer de mama. Quando os nódulos são detectados nos estágios iniciais, as chances de sucesso do tratamento poder ser de até 90%, explica Mandeep Malhotra, diretora de oncologia do Hospital CK Birla em Nova Déli.

Infelizmente, quase 60% dos casos na Índia são diagnosticados nos estágios III e IV, o que marca um contraste com muitos países desenvolvidos no Ocidente, onde a maioria dos casos são detectados nos estágios I e II.

Especialistas sugerem que as mulheres devem ser testadas ao menos uma vez por ano. Entretanto, devido a vários fatores, incluindo a falta de conscientização e a sobrecarga dos profissionais médicos, a quantidade de exames continua em baixa.

O tecido da mama pode ser examinado por ultrassom e mamografia, mas esses métodos possuem algumas limitações. "A mamografia não é eficiente em mulheres jovens, e não é recomendada para as com menos de 45 anos, disse Malhotra.

Mais precisão do que os mamógrafos

Além disso, a maior a densidade da mama encontrada entre as mulheres indianas, quando comparadas à população ocidental, também faz com que a mamografia seja menos indicada para o país.

"Não temos a infraestrutura ou o talento médico para realizar programas de testes em massa com mamógrafos na Índia, como é feito no Ocidente", afirmou Kanchan Kaur, diretora-chefe de cirurgias da mama no hospital Medanta, em Gurugram.

"A melhor opção é o exame clínico da mama feito pelas mulheres que são especificamente treinadas para fazê-lo", acrescentou. A médica esclareceu que as MTEs não são uma substituição aos mamógrafos ou ultrassons, mas atuam de maneira complementar a essas tecnologias.

Entretanto, pesquisadores descobriram que as MTEs conseguem detectar nódulos muito pequenos, com diâmetros de até 6 a 8 milímetros. Segundo um estudo recente liderado pela doutora Malhotra, que analisou os resultados de exames tácteis de mama em 1.338 mulheres, as MTEs possuem uma taxa de insucesso de somente 1%, muito abaixo das mamografias, que possuem taxas de 20%.

Os resultados renovaram as esperanças de que o programa possa ser implementado em larga escala e ajudar a combater o câncer de mama na Índia e mundo afora, gerando emprego para milhares de mulheres como Meenakshi Gupta.