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ConflitosAfeganistão

Como lidar com o novo regime talibã?

18 de agosto de 2021

No Afeganistão, fundamentalistas islâmicos retornam ao poder, e nada indica que eles desaparecerão tão cedo. Comunidade internacional se vê diante de um impasse: princípios democráticos ou pragmatismo?

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Ministro do Exterior chinês, Wang Yi e vice-líder talibã Abdul Ghani Baradar
Ministro do Exterior chinês, Wang Yi (dir.), recebeu o vice-líder talibã Abdul Ghani BaradarFoto: Li Ran/XinHua/dpa/picture alliance

O Dia da Independência do Afeganistão transcorre em 19 de agosto. Mas poucos teriam imaginado que nesse feriado nacional os talibãs já teriam se instalado no palácio presidencial – talvez nem eles mesmos.

A chefe de governo alemã, Angela Merkel, comentou o fato como "um desdobramento francamente amargo". E aqui um questionamento fundamental se coloca: o que fazer quando os terroristas de ontem são os governantes de hoje?

A Alemanha e o Ocidente têm interesses no Afeganistão. Se não, por que Berlim teria se engajado maciçamente no país por 20 anos – do ponto de vista militar, de política de desenvolvimento, humanitário? E esses interesses não se dissolveram no ar com a fuga do presidente Ashraf Ghani.

Sobretudo os interesses na estabilidade dessa região da Ásia Central e em evitar a criação de um celeiro para terroristas islamistas operando em nível internacional. O fato de os atuais dirigentes em Cabul terem alcançado sua posição também através de atentados terroristas não torna a questão mais simples.

O ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, antecipou a presente situação, poucos dias antes da tomada de poder em Cabul: "Caso os talibãs venham a fundar um califado, eles se isolarão no campo internacional, não haverá reconhecimento diplomático para tal Estado, e seria o fim dos programas internacionais de assistência."

O Afeganistão era o principal receptor da ajuda para o desenvolvimento alemã, que agora está suspensa. Para 2021, estavam previstos 250 milhões de euros, mas nada fora ainda disponibilizado.

Defesa do diálogo com o Talibã

O diálogo com o Talibã não é uma unanimidade. Entre os que concordam com a opção está Markus Kaim, especialista em assuntos afegãos do Instituto Alemão para Política Internacional e Segurança (SWP), um think tank influente na política de Berlim.

Desesperados, afegãos tentam fugir de avião

Numa entrevista publicada pelo jornal Handelsblatt nesta segunda-feira, ele afirmou que mais cedo ou mais tarde vai se aceitar o regime do Talibã. A "reação de desdém" de Maas, "nada de reconhecimento, nada de negociações, nada de reconhecimento" seria "compreensível do ponto de vista humano, mas não é uma estratégia para uma região geopoliticamente importante". Assim, Kaim é favor de conversações com o grupo islamista.

Também a deputada federal Aydan Özoguz, do Partido Social-Democrata (SPD), tem apelado repetidamente por contatos com o grupo, já que "os talibãs não conseguirão alcançar muita coisa totalmente isolados, eles dependem de verbas e de apoio humanitário".

"No momento, porém, a situação é totalmente confusa e muito preocupante", prossegue a integrante da Comissão de Assuntos Externos do Bundestag. "Em princípio, defendemos um diálogo político com o Afeganistão. Para tal, contudo, temos que aguardar se vão se formar estruturas ordenadas, com um governo capaz de dialogar e disposto a isso."

Rua isolada em Cabul, capital do Afeganistão
Capital afegã, Cabul, após tomada de poderFoto: Wakil Kohsar/AFP/Getty Images

Sinais de abertura verdadeira?

O tempo urge: o Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (Enucah) calcula que em 2021 quase a metade dos 40 milhões de habitantes do Afeganistão dependerá de auxílio humanitário – praticamente o dobro do ano anterior.

Em princípio, ajuda humanitária é oferecida independente das circunstâncias políticas, frisa o especialista em segurança Winfried Nachtwei, do Partido Verde. Além disso, "não pode ser do interesse europeu e alemão que a situação humanitária catastrófica do Afeganistão se agrave ainda mais".

Para ele, a forma de lidar com o novo governo em Cabul depende, acima de tudo de, além do Talibã, outras forças também estarem representadas no governo. A nova liderança se esforça visivelmente para transmitir exatamente essa imagem.

O líder talibã Abdul Ghani Baradar anunciou um "governo islâmico aberto, inclusivo", sugerindo, assim, que também não talibãs deverão partilhar o poder. O porta-voz Mohammad Naeem abriu as portas para a comunidade internacional, ao declarar que não se pretende governar um país isolado.

Pragmatismo domina

Alguns Estados já aceitaram esse convite. A China, por exemplo, reagiu com rapidez pouco usual à mudança de poder em Cabul: "Nós respeitamos a decisão do povo afegão", declarou na segunda-feira a porta-voz do Ministério do Exterior em Pequim, Hua Chunying.

Já duas semanas atrás, o ministro do Exterior Wang Yi recebera uma delegação de nove talibãs em Tianjin, perto de Pequim. Os islamistas recompensaram a hospitalidade com a promessa de não interferir em questões internas chinesas, ou seja: não apoiar os extremistas islâmicos da província de Xinjiang, no oeste do país.

Quem se mostra especialmente confiante em relação aos talibãs é a Turquia: o ministro do Exterior Mevlut Cavusoglu avaliou como positivas as declarações dos islamistas depois da tomada de poder: seu país está em diálogo com todas as forças afegãs, assegurou.

Na Europa, o Reino Unido privilegia relações pragmáticas com os novos governantes do país asiático. Segundo o ministro do Exterior, Dominic Raab, é preciso encarar a nova realidade e tentar ter uma influência positiva sobre o novo regime.

O especialista em Afeganistão Nachtwei vê a questão de modo semelhante: é preciso observar os talibãs com olhos muito atentos e diferenciados, para então poder decidir se "há forças pragmáticas que levam em consideração as necessidades da população afegã, ou se são forças linha-dura, que querem simplesmente impor a própria ideologia".

Os próximos dias serão decisivos. No Afeganistão, onde se verá se o Talibã mantém suas promessas, sobretudo em relação aos direitos humanos e das mulheres. E nas capitais do mundo, onde se disputará se e que tipo de diálogo é possível travar com a nova liderança afegã.