1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Comércio de presos políticos entre Alemanhas é tema de mostra em Berlim

14 de agosto de 2012

Até a queda do Muro, a Alemanha Ocidental comprou a liberdade de cerca de 34 mil presos políticos da Alemanha comunista. Exposição em Berlim relata destinos daqueles que foram negociados pelos governos do país dividido.

https://p.dw.com/p/15mDI
Nur für die Redaktion Kultur Hintergrund zu verwenden einmalige Veröffentlichung mit Rückgabe der Original-Vorlagen u.löschen der Druckdatei und folgender Einschränkung: **** Nur zuverwenden in Zusammenhang mit der Berichterstattung über die Ausstellung Häftlingsfreikauf des Notaufnahmelagers Berlin. *** Befristet bis 31.8.12. Alle Rechte verbleiben bei brunkfoto! ©brunkfoto Karl-Heinz Brunk (Journalist) Friedhofsallee 22 in 35396 Giessen mail: brunkfoto@t-online.de
Foto: brunkfoto

O acordo era politicamente explosivo, e dependeu do aval pessoal do chanceler federal Konrad Adenauer. Sob sigilo absoluto, em 2 de outubro 1963, foram libertados os primeiros oito prisioneiros da Alemanha Oriental. De ônibus, eles cruzaram o posto de fronteira interna alemã Wartha Herleshausen.

O regime comunista embolsou exatamente 205 mil marcos pelo negócio, a ser seguido por muitas centenas de acordos similares. Pela primeira vez, uma exposição se dedica exclusivamente a esse capítulo da divisão da Alemanha: Freigekauft – Wege aus der DDR-Haft (Liberdade comprada – Caminhos para fora da prisão na Alemanha Oriental) pode ser visitada em Berlim até o final de março de 2013.

A mostra retrata seis histórias de indivíduos e famílias presos por motivos políticos. Entre elas, a da família Kolbe, de Dresden, que tentou escapar da Alemanha Oriental em outubro de 1973, com a intenção de chegar à Áustria através da então Tchecoslováquia. A tentativa falhou, e os pais acabaram na prisão.

Museu Centro de Refugiados Marienfelde, em Berlim
Museu Centro de Refugiados Marienfelde, em BerlimFoto: ENM – Andreas Tauber

Em maio de 1975, eles foram comprados pelos alemães ocidentais, mas tiveram que esperar mais quatro meses até que pudessem abraçar seus dois filhos novamente, no lado ocidental. Os visitantes da exibição podem tomar conhecimento, através de entrevistas em vídeo, de como os Kolbe sobreviveram àquela época, entre esperança e medo.

Advogados mediavam

A opinião pública de ambos os lados da fronteira não deveria tomar conhecimento do comércio estatal com seres humanos. Por isso, os presos se comprometiam a manter segredo. Claro que havia sempre boatos, mas nunca uma confirmação oficial.

Nos bastidores, os advogados Wolfgang Vogel (leste) e Jürgen Stange (oeste) coordenavam as negociações. Seus anos de correspondência estão documentados no Museu Centro de Refugiados Marienfelde, localizado no antigo posto, em Berlim Ocidental, para acolhida de emergência de refugiados da Alemanha Oriental.

A escolha de palavras é seca e objetiva, como de costume em cartas comerciais. Mas a impressão é opressiva, pois por trás daquelas linhas estão destinos humanos. "A lista que foi passada está em fase de revisão. Numericamente ainda não é possível uma definição", escreve Vogel em 20 de agosto de 1973 a seu colega Stange.

Frases como essa indicam simplesmente que as autoridades estavam pechinchando, nas negociações com os prisioneiros da Alemanha Oriental. "Critérios como relações familiares, estado de saúde e profissão faziam bastante diferença", lembra a diretora do museu, Bettina Effner. "Médicos e engenheiros valiam mais", afirma, trazendo à tona a fria lógica do regime da Alemanha Oriental.

Duas vezes na prisão

Profissionais urgentemente necessários do lado oriental dificilmente entravam na lista dos presos "negociáveis". Essa foi a experiência da médica berlinense Renate Werwigk. Ela desejava unir-se ao irmão, que em 1963 escapara para o lado ocidental através de um túnel. Quando a polícia secreta do governo comunista, conhecida como Stasi, tomou conhecimento, Renate e seus pais foram condenados a vários anos de detenção.

Wolfgang Vogel: advogado do lado oriental
Wolfgang Vogel: advogado do lado orientalFoto: picture-alliance/dpa

Após sua libertação, a jovem entrou em contato com o advogado Wolfgang Vogel. De início, ele excluiu qualquer esperança de uma transferência para o Ocidente, lembra a médica em entrevista à Deutsche Welle. Por fim, acenou que a solução seria ela se submeter a uma segunda prisão.

Após a tentativa fracassada de tentar entrar com passaporte falso na Turquia, através da Bulgária, Renate Werwigk foi novamente condenada à prisão em 1967. Um ano depois, foi deportada para o Ocidente, em troca de um espião da Alemanha Oriental mais 100 mil marcos.

"Agora são alemães ocidentais"

Para camuflar o tráfico estatal de pessoas, o governo imbuiu o Diakonisches Werk, organização de caridade da Igreja Evangélica da Alemanha, de tratar da burocracia financeira da compra de prisioneiros orientais. Desde 1957, a Igreja Evangélica dava apoio material a comunidades protestantes em Berlim Oriental, o que tornava a instituição uma parceira ideal para o negócio.

No nível político, o responsável era o Ministério para Questões Pan-Alemãs, rebatizado em 1969 como Ministério de Assuntos Internos Alemães. Desde o princípio, o advogado Ludwig Rehlinger acumulou grandes méritos na compra da liberdade de prisioneiros políticos. Numa detalhada entrevista, mostrada em vídeo na exposição, o berlinense conta suas experiências como negociador.

Até a queda do Muro de Berlim, em 1989, cerca de 87 mil cidadãos da Alemanha Oriental acabaram atrás das grades por tentarem fugir ou por serem considerados pelo regime politicamente "pouco confiáveis". A Alemanha Ocidental comprou cerca de 34 mil desses "inimigos do socialismo".

Médica Renate Werwigk: liberdade em 1968 custou 100 mil marcos e um espião
Médica Renate Werwigk: liberdade em 1968 custou 100 mil marcos e um espiãoFoto: Erinnerungsstätte Notaufnahmelager Marienfelde

O primeiro ônibus com refugiados, em 1963, foi pago em espécie. Mais tarde, adotou-se o negócio de permuta de gente em troca de mercadorias, que podiam ser alimentos ou petróleo – dependendo do que estivesse em falta na cronicamente carente economia da Alemanha comunista. Porém diamantes também migraram do oeste para o leste, por essa via.

Com propriedade, a curadora da exposição, Lucia Halder, sugere que a compra de prisioneiros era uma forma de "aquisição de divisas", propiciando que mercadorias no valor de mais de 3 bilhões de marcos fossem parar na falida República Democrática Alemã. Era o preço da liberdade de alemães orientais. A primeira escala deles no Ocidente era o centro de acolhimento (Bundesaufnahmestelle), localizado na cidade de Giessen. Seu diretor, Heinz Dörr, os recebia com as palavras: "Senhoras e senhores, vocês agora são alemães ocidentais".

Autor: Marcel Fürstenau (md)
Revisão: Augusto Valente