Coreia do Norte ignora sul e reabre zona industrial conjunta
9 de outubro de 2017A Coreia do Norte reabriu, de forma unilateral, as operações na zona industrial conjunta de Kaesong, cerca de um ano e meio depois de o governo da Coreia do Sul ter retirado seus cidadãos de lá e parado as máquinas em resposta ao quarto teste nuclear de Pyongyang e ao lançamento de um foguete.
A mídia estatal da Coreia do Norte indicou, na sexta-feira passada (06/10), que o regime reiniciou operações em algumas fábricas da zona conjunta, que fica a dez quilômetros ao norte da área desmilitarizada que divide a península.
Há fortes suspeitas de que o regime em Pyongyang esteja usando máquinas e material deixados pelos proprietários de cerca de 120 empresas sul-coreanas quando elas foram ordenadas a sair do local, em fevereiro de 2016, por no mínimo seis meses.
O site norte-coreano de propaganda Uriminzokkiri afirmou que as unidades estão dentro do território da Coreia do Norte e, portanto, sujeitas à legislação do país. Segundo a página, outros países – numa clara referência à Coreia do Sul – não têm o direito de interferir na questão.
Histórico de expropriações
Analistas afirmam que Pyongyang tem um histórico de simplesmente expropriar o patrimônio de empresas, mas que o atual movimento do regime pode indicar desespero à medida que as sanções impostas pelas Nações Unidas começam a produzir efeito.
"Esse é o exemplo mais recente numa longa linha de comportamento de um país que é comandado por diretivas partidárias e onde as pessoas recebem ordens de cima e simplesmente as cumprem", afirma o professor de relações internacionais Daniel Pinkston, da Universidade Troy, em Seul.
"Eles devem ter visto que as empresas sul-coreanas deixaram equipamentos e matérias-primas para trás, e o norte não tem nenhum problema em simplesmente expropriar tudo", comenta.
Em anos anteriores, a montadora sueca Volvo ficou no prejuízo depois de exportar mil carros para a Coreia do Norte, que nunca pagou. E empresas ferroviárias chinesas pararam de enviar vagões para o outro lado do fronteira porque eles simplesmente não retornavam.
Recentemente, a empresa de telecomunicações egípcia Orascom ficou de mãos vazias quando o governo da Coreia do Norte simplesmente assumiu o controle da companhia que havia sido criada em Pyongyang para estabelecer uma rede de telefonia celular.
Outro caso parecido envolveu a empresa sul-coreana Hyundai, que investiu muito, com o aval de Seul, para desenvolver o turismo na região de Monte Kumgang, em 1998. Dez anos depois, quando um turista sul-coreano foi morto a tiros por um soldado do norte, a Coreia do Sul proibiu as visitas de seus cidadãos. Dois anos depois, a Coreia do Norte, de forma unilateral, assumiu o controle de cinco propriedades de empresas do sul e começou a promover o Monte Kumgang para turistas chineses.
Efeitos das sanções
Pinkston avalia que o norte está sentindo os efeitos das sanções internacionais, apesar de achar provável que Pyongyang teria expropriado as unidades em Kaesong e reiniciado as operações mesmo se não houvesse pressão internacional por causa de seu programa de armas nucleares e mísseis.
A zona industrial de Kaesong foi aberta em dezembro de 2004, como uma ação de aproximação e confiança entre Seul e Pyongyang, e teve, no auge, 123 empresas, que empregavam cerca de 53 mil operários norte-coreanos e outros 800 funcionários sul-coreanos. Os salários dos trabalhadores norte-coreanos chegaram a 90 milhões de dólares anuais – e eram pagos para o governo da Coreia do Norte.
A maioria das empresas sul-coreanas que se instalaram no local fabricava tecidos e se valia dos salários baixos e das vantagens fiscais. Outras fabricavam produtos químicos, sapatos, relógios, maquinário e dispositivos eletrônicos.
O especialista em relações internacionais Stephen Nagy, de Tóquio, afirma que Pyongyang tem três bons motivos para assumir o controle da zona industrial de Kaesong. "Primeiro, eles conhecem os recursos disponíveis e sabem que a produção própria vai ajudar a diminuir o impacto das sanções", diz. "Além disso, trata-se de uma mensagem para a Coreia do Sul, de que eles estão seguindo em frente por conta própria e não precisam mais do apoio econômico nem das divisas do sul."
Apoio da China e da Rússia
"Por fim, trata-se também de uma mensagem para as potências regionais: a Coreia do Norte não está mais disposta a ser comandada de cima e pretende continuar a desenvolver sua economia e seus programas nuclear e de mísseis em paralelo", afirma.
Nagy se mostra pouco convencido de que sanções forçarão o regime em Pyongyang a ceder. "Parece que estão produzindo têxteis em Kaesong, assim como as empresas da Coreia do Sul faziam antes, e eles podem ser exportados ilegalmente através da China e da Rússia", acrescentou. "Não está bem claro que esses dois países de fato fecharam suas fronteiras, em conformidade com as sanções da ONU, e minha impressão é de que tanto Pequim como Moscou estão tentando engajar o governo norte-coreano para seus próprios propósitos em vez de isolá-lo."
O Ministério da Unificação da Coreia do Sul, que é responsável pelas relações com o norte, já apelou várias vezes à Coreia do Norte para que não viole os direitos dos proprietários sul-coreanos em Kaesong, mas analistas dizem que não há meios eficazes de impedir Pyongyang de simplesmente usar os equipamentos e as matérias-primas. Os proprietários das unidades em Kaesong deverão se reunir nesta quarta-feira (11/10), em Seul, para avaliar suas opções.