Cosedores de bolas enfrentam um jogo difícil
17 de fevereiro de 2006A menos de quatro meses para o início da Copa do Mundo – que tem início no dia 9 de junho em Munique –, os europeus sofrem de "febre de futebol". Fãs têm corrido para comprar a camisa de seu time favorito e comem até doces fabricados com motivos do esporte.
A atmosfera faz com que muitos entusiastas queiram jogar uma ou outra partida, e os vendedores têm notado um aumento na demanda por bolas de futebol. Muitos consumidores, entretanto, não estão cientes das condições que envolvem a produção desse artigo tão popular.
Cerca de 80 por cento das bolas de todo mundo são produzidos à mão em Sialkot, no nordeste do Paquistão. Leva cerca de uma hora e meia para que as 32 partes hexagonais, feitas de couro sintético, sejam costuradas com 650 pontos.
A região se tornou um centro mundial de produção de artigos esportivos. Mas, há uma década, a atividade era predominantemente exercida em casa. Organizações de direitos humanos chamaram atenção quanto às precárias condições de trabalho e ao uso de mão-de-obra infantil. Atualmente, as fábricas de Sialkot são fiscalizadas.
"O problema, no entanto, é que bolas falsas continuam sendo produzidas fora desta zona e ninguém pode afirmar se é uma criança quem as está costurando", diz a gerente de Relações Públicas da Adidas, Anne Putz.
A Fifa só permite bolas fabricadas com responsabilidade social
A Adidas tem sido a responsável pelo suprimento de bolas em Copas do Mundo desde 1970. A bola que será usada em 2006 é fabricada na Tailândia. Não é costurada, no entanto – suas partes são derretidas e coladas com tecnologia térmica.
Mas a gigante de artigos esportivos também comercializa bolas produzidas à mão em Sialkot, diz Putz. A Adidas faz parte do Acordo de Atlanta, organizado por empresas de artigos esportivos, organizações trabalhistas, grupos pelo bem-estar infantil e outras ONGs, a fim de eliminar o trabalho infantil da indústria de bolas de futebol do Paquistão.
Marcas internacionais dizem comprar artigos vendidos somente pelas companhias paquistanesas que concordam com o programa ditado pelo acordo, ao que a Fifa também dá suporte.
O Acordo de Atlanta tirou a produção de bolas dos lares e levou aos centros de costura, onde pode ser monitorada mais facilmente. O uso de mão-de-obra infantil já foi bastante reduzido no segmento.
"Mas os salários pagos geralmente não são suficientes para garantir uma melhor educação às crianças", diz Barbara Schimmelpfennig, porta-voz da Gepa, maior companhia de comércio solidário da Europa.
Ajudar as pessoas a ajudarem a si mesmas
A Gepa, sediada em Wuppertal, foi uma das primeiras organizações de comércio a fundar centros de costura em Sialkot – numa ação conjunta com o parceiro Talon Sports – em 1998. Esses centros incluem assistência financeira para mulheres.
"A partir do momento em que não é permitido às mulheres trabalhar com homens no Paquistão, isso dá a elas a oportunidade de ter um trabalho e melhorar sua renda familiar", diz Schimmelpfennig
A Gepa esquematizou um sistema de bônus por meio do qual a Talon Sports paga um prêmio que vai de U$0.40 a U$1.00 por bola produzida, dependendo da sua qualidade. A Sociedade de Comércio Solidário da Talon – composta por cosedores e representantes da empresa – decide onde o capital será alocado.
"Parte desse prêmio vai para o aumento do salário e outra vai para um fundo de pequenos empréstimos", diz Schimmelpfennig. "Os empréstimos, por exemplo, podem dar uma mão aos trabalhadores, porque o trabalho de produção de bolas pode ser bastante sazonal".
Os prêmios também são utilizados para melhorar as condições de trabalho nos centros de costura e para montar espaços de saúde e de educação, tais como pré-escolas para os filhos dos trabalhadores. O tratamento de saúde dos empregados da Talon e de suas famílias é gratuito.
A Talon Sports emprega 1500 cosedores, incluindo 400 mulheres. Rahila, por exemplo, ganha 74 por cento mais por uma "bola socialmente responsável", produzida dentro dos padrões internacionais, do que por uma convencional: 47 rúpias (0.65 euro) em vez de 27 rúpias. Com seu ordenado, Rahila, que tem 40 anos e é mãe de oito filhos, pode contribuir consideravelmente para a vida de sua família.
As pessoas por detrás da bola
Na corrida pela Copa do Mundo, a Gepa lançou a campanha "Pagamento justo, jogo justo" para conscientizar os consumidores das condições que envolvem a produção de bolas de futebol.
"Especialmente agora, com a proximidade da Copa do Mundo, bolas baratas e falsificadas são um problema sério", diz Schimmelpfennig. As "bolas justas", contudo, podem fazer uma diferença.
"Nós vemos a ajuda como parte do processo de venda", diz Schmmelpfennig. "Em vez de os consumidores fazerem doações para um projeto, eles pagam mais por uma bola produzida justamente. Isso é o que nos dá a possibilidade de tomar certas medidas."
"Na Europa, as pessoas estão interessadas em comprar bolas baratas e isso tem impacto nos salários", diz Ammar Faisal Al Assad, diretor da Talon Sports. "Mas, por causa do comércio solidário, muitos já se conscientizaram de que existem pessoas por detrás das bolas."
Al Assad diz esperar que mais consumidores escolham bolas produzidas com responsabilidade social – atualmente, suas vendas correspondem somente a cinco por cento da produção anual de dois milhões de bolas.