Críticas e dúvidas cercam a reforma da saúde na Alemanha
4 de agosto de 2006O sistema de saúde alemão é considerado um dos melhores do mundo, mas especialistas têm dito há anos que esse status só poderá ser mantido às custas de uma profunda reforma. O maior problema é a expressiva restrição orçamentária, resultado de uma estrutura financeira que não funciona mais. As baixas taxas de natalidade e os índices de desemprego, que permanecem elevados para os padrões do país, completam o quadro sombrio.
A coalizão liderada pela chanceler federal Angela Merkel e composta pelos social-democratas, de centro-esquerda, e pelos democrata-cristãos, de tendência conservadora, divulgou em julho um plano de reforma para a saúde. A proposta sofreu uma enxurrada de críticas da parte de seguradoras, sindicatos, analistas, empresários e até mesmo de membros do atual governo.
Trabalhadores do setor foram para as ruas protestar, alegando que a reforma vai gerar demissões. As manifestações provocaram uma clara disputa entre representantes das seguradoras públicas e a ministra alemã da Saúde, Ulla Schmidt, que ameaçou punir as instituições que usarem o dinheiro de contribuições dos cidadãos para financiar uma campanha contra a proposta do governo.
A reforma tem criado uma série de dúvidas na população, que não sabe o real significado das mudanças e teme que o eficiente sistema de saúde com o qual o alemão se acostumou esteja em coma, com poucas possibilidades de cura.
O problema
Na Alemanha, o sistema de saúde é composto por 252 seguradoras públicas, que cobrem em torno de 73 milhões de pessoas, ou quase 90% da população. Os outros 10% – normalmente os mais ricos ou trabalhadores autônomos – são cobertos por planos de saúde privados. A estrutura pública é financiada por contribuições de trabalhadores – cerca de 14% dos salários – e de empregadores. Mas os recursos não têm sido suficientes. No ano de 2007, haverá um déficit de 7 bilhões de euros no sistema.
Barbara Marnach, porta-voz da seguradora pública AOK, uma das maiores da Alemanha, defende que se criem diferentes fontes de arrecadação. "Temos dito que a base de financiamento tem que ser ampliada", afirma. Assim que os debates sobre a reforma passaram a ocupar a agenda política do país no primeiro semestre de 2006, a AOK participou ativamente das discussões por intermédio de lobbies junto a políticos.
No mês de julho foram encerrados os longos debates políticos em torno dos cofres vazios do sistema de saúde. Vários planos de reforma foram elaborados. Entre as diversas propostas estavam a introdução de uma taxa única de seguro-saúde, a eliminação dos planos privados com objetivo de trazer de volta para o sistema público os euros dos contribuintes mais ricos, o aumento de impostos e a elevação da parcela paga pelo empregador. Mas o único consenso era que alguma mudança teria que ser feita, uma vez que todas as idéias apresentadas tinham um grande potencial para gerar polêmica e controvérsias políticas.
A solução do governo
Em lugar de aumentar impostos – alternativa politicamente inviável devido à elevação do imposto sobre valor agregado agendado para 2007 –, o plano apresentado pelo governo propõe um acréscimo de 0,5 ponto porcentual nas alíquotas de contribuição dos empregados e dos empregadores para o sistema a partir do próximo ano.
Os valores arrecadados com o aumento da contribuição comporiam um novo "fundo para a saúde" em 2008. O governo federal contribuiria com um aporte de 1,5 bilhão de euros naquele ano para custear despesas com assistência médica infantil. O fundo financiaria ainda uma taxa que é atualmente cobrada de cada cliente pelas seguradoras.
Segundo a chanceler alemã, a proposta resolveria os impasses surgidos. A ministra da Saúde, por sua vez, acrescentou que o plano reduz a burocracia, estimula a competição e corta os custos de um sistema que consome ao redor de 140 bilhões de euros por ano e emprega 4,2 milhões de pessoas.
A polêmica
Mas nem todos têm a mesma opinião de Merkel e Schmidt e alguns classificam a reforma proposta pelo governo de devastadora, argumentando que o plano não faz o suficiente para solucionar os principais problemas a longo prazo. A porta-voz da AOK discorda da ministra da Saúde, dizendo que em lugar de cortar, a reforma cria uma nova burocracia. "Novas organizações e procedimentos terão de ser criados, o que significa custos mais altos. Temos que nos perguntar o que as mudanças vão trazer de bom", critica.
As seguradoras públicas de saúde argumentam que a proposta contraria os objetivos estabelecidos pela coalizão governista, pois dá mais poder ao governo e retira competitividade das seguradoras. "Nós perdemos espaço de ação no mercado. Ao contrário, a reforma acarreta mais socialização. Será simplesmente ineficiente", diz Marnach.
Embora sejam minoria, alguns dizem também que a proposta governamental é um começo decente em virtude da tarefa monumental que representaria uma reforma do sistema de saúde. Sophia Schlette, chefe do setor de políticas de saúde da Fundação Bertelsmann, afirma que o temor de que a reforma crie uma nova burocracia é infundado. "Os países com melhor performance em relação a custos e indicadores na área de assistência médica são, curiosamente, aqueles que contam com o 'fundo para a saúde', descrito pelos críticos da atual reforma como um cenário de horror", declarou ela a uma emissora de rádio alemã.
A proposta também desagradou alguns dos 4 milhões de trabalhadores das seguradoras públicas, que temem por seus empregos. Na última semana de julho, 21 mil ocuparam as ruas em cinco cidades alemãs exigindo que o governo repense o plano de reforma, que de acordo com a funcionária da AOK, pode provocar cerca de 25 mil demissões no setor.
Existem outras opções?
Os críticos mais contundentes da proposta governamental afirmam não serem contrários a mudanças e dizem concordar inteiramente com a necessidade de uma reforma. Entretanto, criticam um plano que, segundo eles, não desperta simpatia nem mesmo entre membros da coalizão que governa o país.
Para Herberth Weisbrod-Frey, representante do Verdi (sindicato alemão de trabalhadores do setor de serviços), interesses políticos conflitantes e os esforços para preservar a atual coalizão de governo são os principais culpados pela tímida proposta levada adiante pelo governo. "A situação está causando muitos problemas porque esta reforma gira em torno de decisões de caráter político em lugar de ter como base a opinião de especialistas do setor da saúde", opinou.