O desafio da alimentação
27 de outubro de 2011
A população do planeta cresce em 83 milhões de pessoas por ano: um pouco mais do que o total dos habitantes da Alemanha. Caso essa tendência se mantenha, em 2050 já haverá 9 bilhões de pessoas no mundo, e até o final do século serão mais de 10 bilhões.
Para saciá-las, seria necessário pelo menos duplicar, se não triplicar, a produção agrícola nos próximos 40 anos. Será possível alcançar essa meta com os recursos limitados de nosso planeta? Segundo o professor de agronomia Harald von Witzke, da Universidade Humboldt de Berlim, a resposta é "sim".
Mas um "sim" seguido de um "porém". O enorme crescimento da produção agrícola nas últimas décadas deve-se 80% ao aumento da produtividade. Apenas 20% são o resultado da ampliação das áreas agricultáveis. "No futuro, precisaremos investir ainda mais no aumento de produtividade para satisfazermos as crescentes necessidades humanas de alimento. O solo será, cada vez, um fator limitante para a produção de gêneros alimentícios", diz Von Witzke.
No momento, 40% da superfície terrestre são usados para a agricultura. Uma área de 16 milhões de quilômetros quadrados – o tamanho da América do Sul – é dedicada aos cereais; 30 milhões de quilômetros quadrados – a superfície da África – são pastos. Os melhores solos, os mais férteis, já são cultivados. Em diversas regiões não existem mais reservas de terra passíveis de utilização na produção de alimentos.
As nações em desenvolvimento são a exceção. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), nelas apenas um terço da superfície teoricamente agricultável é cultivada de fato. Entretanto, até mesmo por questões de proteção ao clima global, não se pode considerar a transformação de florestas e mangues tropicais em áreas de cultivo.
Fator fundamental: a água
A alternativa que fica é o aumento da produtividade – uma alternativa, no entanto, comprometida e freada por diversos fatores. Em primeiro lugar encontram-se os dois elementos encarecedores água e energia. A agricultura consome as maiores quantidades de água em todo o mundo.
Previsivelmente, a escassez do ouro azul deverá ser o tema central dos próximos anos, observa o vice-diretor geral da FAO, Alexander Müller. "Estudamos a distribuição da água pela superfície terrestre e constatamos que a falta de água será mais grave nas zonas com maior crescimento demográfico." Isso significa que, justamente nos países em que a produção de alimentos precisa aumentar, faltam os requisitos básicos.
Uma das fórmulas para a solução é "eficiência", como propõe o estudo da equipe internacional de pesquisa da Universidade de Minnesota encabeçada por Jonathan Foley. No futuro, só as terras que realmente valem a pena devem ser irrigadas e fertilizadas. Por exemplo, em territórios áridos não deveriam mais ser cultivadas plantas que necessitem muita água.
No tocante à fertilização, pesquisas demonstraram que a metade dos adubos empregados em todo o mundo simplesmente acaba penetrando solo adentro, em vez de nutrir as plantas. Um desperdício que também acarretou a duplicação das taxas de fósforo e nitrato no meio ambiente, o que, por sua vez, causa a poluição da água: um círculo vicioso que deve ser rompido a todo custo.
Para elevar a atual produtividade, são necessárias, acima de tudo, melhores espécies vegetais e melhores métodos de plantio. Segundo o estudo de Minnesota, com isso já seria possível aumentar em 60% a produção global de alimentos.
"Melhores espécies" significa, por um lado, cereais e verduras especialmente produtivos e resistentes às condições climáticas rigorosas. Por outro lado, cabe elevar o potencial nutritivo desses vegetais, pois já hoje a carência alimentar é um problema. Leguminosas contendo mais ferro, painço com mais zinco, batatas, milho e arroz com maior quantidade de provitamina A: isso poderia ser alcançado pelo desenvolvimento de novos cultivares ou também pela engenharia genética.
O problema da carne
Seria mais fácil assegurar a alimentação no mundo se menos gente consumisse carne e outros produtos animais. Pois os animais precisam ser nutridos, e a produção de suas rações concorre com o cultivo de alimentos para a população humana – da mesma forma que com o plantio de vegetais para a produção de biocombustíveis.
Porém é ilusório esperar que ocorra uma renúncia aos produtos de origem animal: a tendência é, antes, o aumento de seu consumo. Assim, os cientistas pleiteiam que, no futuro, os solos mais férteis sejam reservados ao cultivo de gêneros alimentícios básicos. Sobretudo na América Latina, na África e no Leste Europeu há solos excelentes, cujas safras podem ser elevadas significativamente – enquanto as produções de rações e bioenergia devem ser relegadas aos campos restantes.
Novos desafios estruturais
No futuro, os efeitos da produção de mais carne, ovos e laticínios também se farão sentir sobre o clima. Atualmente, 30% das emissões de gases-estufa provêm da atividade agrícola. Sabe-se que o aumento de CO2 e metano na atmosfera atingirá especialmente as regiões do planeta com maior crescimento demográfico: são os países emergentes e os mais pobres que enfrentarão ainda mais secas, enchentes e outras catástrofes naturais.
Segundo Alexander Müller, da FAO, essa situação colocará a questão da alimentação no mundo diante de novos e graves problemas estruturais. "Todo debate sobre a alimentação no mundo precisa se ocupar com os novos focos de demanda, que estão nos países emergentes, nas regiões urbanas e nas nações cujo desenvolvimento econômico permite que apenas parte de seu potencial de demanda chegue aos mercados."
Em outras palavras: quase todos esses lugares são importadores de gêneros alimentícios, mas em geral não possuem o dinheiro necessário para comprá-los em volume suficiente no mercado mundial. O agrônomo Harald von Witzke também acentua esse fato: "O que agrava ainda mais o estado das coisas é o fato de esses países só disporem de sistemas rudimentares de pesquisa agronômica, de forma que é muito difícil para seus agricultores se adaptarem à mudança climática global".
Mais pesquisa e cooperação
Segundo os especialistas, esse quadro precisa mudar: pesquisa agrícola e uma política agrária direcionadas, assim como a ênfase na agricultura também no campo da ajuda ao desenvolvimento, poderão melhorar significativamente a situação. Enquanto em 1980 a parcela da agricultura na cooperação para o desenvolvimento era de 19%, em 2007 ela não passava de 3,5%.
Nos países pobres, falta aconselhamento para métodos de cultivo mais eficientes, formação profissional, créditos mais acessíveis, boas sementes e informações sobre as possibilidades de comercialização. O resultado é que quase a metade de todas as safras nesses países se perde devido ao combate ineficiente às pragas, a formas erradas de colheita, a problemas no transporte e na armazenagem. Também faltam informações de como comercializar melhor a produção.
Outro problema são os numerosos conflitos. Se os países não são capazes de aproveitar seu potencial agrícola devido a guerras civis e má governança, é impossível esperar que apresentem avanços agrícolas e maiores safras.
Quantas pessoas o planeta pode nutrir? Num ponto, todos os peritos são unânimes; não existe nem jamais existirá uma receita pronta para assegurar o abastecimento do mundo. Os recursos do planeta poderiam alimentar também 10 bilhões de habitantes, se necessário. Contudo, essa equação global provavelmente nunca fechará, pois a população mundial cresce mais justamente onde a situação de alimentação hoje já é mais precária.
Autoria: Sabine Kinkartz (av)
Revisão: Roselaine Wandscheer