Crise brasileira ameaça crescimento global - diz jornal alemão
1 de agosto de 2002"Cada dia em que a cotação do real se mantém acima de três dólares torna mais provável a suspensão do pagamento das dívidas", diz Phillip Nimmermann, do banco BHF, um dos analistas consultados pela edição alemã do Financial Times, em artigo publicado nesta quarta-feira (31/07).
Os acontecimentos no mercado não condizem com a expectativa de muitos analistas de que o Brasil logo sairia da crise. Durante muito tempo os economistas partiram do princípio de que o problema do Brasil não era sério, não havendo desequilíbrios econômicos fundamentais. Se o temor dos mercados financeiros de uma vitória de Lula desencadeou a desvalorização dos últimos meses, o avanço de Ciro Gomes, tido como um segundo candidato de esquerda, provocou nova queda do real.
Crise superestimada, mas com efeitos reais
Para Nicholas Schlotthauer, do Deka Bank, "a crise está sendo superestimada". A desvalorização da moeda brasileira, entretanto, tem efeitos bastante reais. A situação será "crítica" para o Brasil, se o real permanecer acima da marca de US$ 3,20. Como aproximadamente 30% dos títulos da dívida pública são em dólar, a queda do real aumenta automaticamente o montante da dívida. Se esta representava 58% do PIB no final de junho, com a desvalorização deve exceder agora 60% do Produto Interno Bruto.
A situação do setor privado, contudo, é o que mais preocupa os analistas a curto prazo, pois os créditos a empresas perfazem 60% da dívida externa brasileira. São, portanto, as empresas que logo poderão enfrentar sérias dificuldades. E se a crise na Argentina não teve grandes conseqüências para a economia mundial, a situação é diferente no caso do Brasil. Os países industrializados notarão os efeitos ao mais tardar quando as empresas brasileiras restringirem suas importações.
Implicações para o primeiro mundo
As vendas da Volkswagen diminuíram 17% na América do Sul e é no Brasil que a maior montadora alemã faz 8% de seu faturamento geral. Os lucros da Telefônica espanhola caíram e para grandes empresas francesas como a cadeia Carrefour, o Brasil é de grande importância. Além disso, bancos e seguradoras nos EUA e na Europa também serão afetados, caso se agrave a crise brasileira. Bancos americanos são credores de 35 bilhões de dólares da dívida brasileira e somente bancos espanhóis concederam créditos no montante de 25 bilhões de dólares ao Brasil.
O maior risco, no entanto, correm outros países emergentes. "Se o Brasil cair, os países latino-americanos ficarão isolados dos mercados internacionais de capitais por um ou dois anos pelo menos", diz Schlotthauer. Alguns corretores temem ainda que as dificuldades do Brasil desemboquem em crises monetárias na Polônia, Turquia ou África do Sul. Diante disso, é imprescindível a ajuda do FMI. Apesar das últimas declarações do secretário norte-americano do Tesouro, Paul O'Neil, que tanta indignação causaram em Brasília, as chances de que o fundo socorra o Brasil são boas, na avaliação de Nimmermann. "Depois da crise da Enron e da Worldcom, os bancos americanos não vão querer saber de mais um golpe forte", diz o analista.