Crise da Ucrânia e a guerra entre mídia nacional e russa
10 de maio de 2014A cada dia é mais difícil avaliar a confiabilidade dos meios de comunicação na Ucrânia. Com o país à beira de uma guerra civil, tanto o governo nacional quanto Moscou tentam influenciar a cobertura do conflito pela imprensa.
Assim, além dos choques entre forças separatistas e governamentais, no leste do país, também se trava uma batalha pelo direito de interpretação dos eventos ligados aos conflitos. Por exemplo: enquanto o governo ucraniano interino presume a presença de soldados russos camuflados entre os separatistas, a Rússia classifica a liderança em Kiev como "fascistas" e "governo golpista" ilegítimo.
Liberdade de imprensa ameaçada
"A mídia russa descreve o conflito de modo fundamentalmente diverso da mídia da Ucrânia", relatou a blogueira ucraniana Oksana Romaniuk aos participantes do debate promovido pela Deutsche Welle em Berlim, no contexto da conferência re:publica, sobre sociedade digital.
A ativista está convencida de que a propaganda maciça do Kremlin ameaça a liberdade de imprensa em seu país, e que o presidente Vladimir Putin investe muito dinheiro em artigos fictícios, e até mesmo em comentários nas redes sociais.
Ela é contestada pela russa Alena Popova, sua interlocutora no debate. "Ninguém sabe exatamente o que está por trás dessas opiniões. É difícil dizer se são extremistas isolados ou se é de fato uma ação coordenada do governo", afirmou a também ativista e blogueira.
Popova também reforça que há uma diferença entre o governo russo e a população do país. "Temos uma sociedade civil forte, que apoia os ucranianos e não os vê como inimigos. São os políticos que tentam instrumentalizar as diferenças para seus próprios fins."
Mídias sociais e streamers
Não se discute, entretanto, que vários canais de televisão russos, como o Russia Today, financiado pelo Estado, propositalmente agitam contra o novo governo em Kiev, acirrando os ânimos. E é justamente através dessas emissoras que a grande maioria da população da Ucrânia Oriental se informa.
Nesse contexto, explica Romaniuk, cresce a importância das mídias sociais que "já desempenharam um papel importante na organização da revolução na Maidan", a Praça da Independência em Kiev, epicentro dos protestos contra o então presidente, o pró-russo Viktor Yanukovytch.
"Os cidadãos utilizam agora essas mídias para se manterem informados", comenta a ativista. A comunidade EuroMaidan, na rede social Facebook, é um fóruns desses. Estabelecida em novembro de 2013, no início dos protestos em Kiev, ela constitui até hoje um instrumento central de intercâmbio e organização do movimento pró-ucraniano.
Uma segunda fonte confiável de informações para a população são as mídias locais, explica Romaniuk. Elas falam a língua do povo, estão próximas dos acontecimentos e têm a capacidade de rebater boatos rapidamente.
Um fenômeno totalmente novo na Ucrânia são os assim chamados "streamers". Trata-se de jornalistas-cidadãos, na maioria jovens, os quais – com câmeras de telefones celulares ou outros equipamentos simples – filmam, por exemplo, os confrontos entre policiais e manifestantes na Praça da Independência.
Disponibilizando os vídeos ao vivo em seus websites (live streaming), "os streamers arriscam suas vidas para mostrar a verdade aos seus expectadores e desmascarar notícias falsas", louva Romaniuk.
A ativista e blogueira russa Popova também enfatiza a importância dos streamers ucranianos. "Nesta situação, as pessoas devem se afastar da mídia financiada pelo Estado e tentar encontrar jornalistas-cidadãos em que confiem."
Apelo à imprensa internacional
Ambas as blogueiras apelam igualmente à imprensa internacional para que noticie os conflitos com responsabilidade, trazendo luz contra o obscurantismo da propaganda. "Para os ucranianos, as notícias vindas de fora são muito importantes, pois se espera que os jornalistas estrangeiros sejam independentes", diz Romaniuk. Ela conclama os repórteres internacionais a irem à Ucrânia, apesar da situação perigosa, para formarem sua própria opinião.
Após o debate da DW na re:publica, permanece, para as duas blogueiras, tanto o ceticismo em relação a mídia de massa pública e privada, quanto a esperança no poder das mídias locais e sociais de seus países.
Oksana Romaniuk e Alena Popova participaram do júri internacional que concedeu o Prêmio DW de ativismo na internet, na décima edição do concurso de blogs The Bobs. Os nomes dos vencedores foram divulgados na quarta-feira (07/05), durante a conferência re:publica.