Crítica de eurodeputados a impeachment deve ter pouco peso
31 de maio de 2016O pedido de um grupo de deputados europeus para que a UE suspenda negociações com o Mercosul por causa do impeachment deve ter pouco impacto, afirmam especialistas ouvidos pela DW.
Na última sexta-feira (27/05), 34 deputados de um bloco formado por partidos de esquerda de Espanha, Itália, Portugal, Alemanha, Irlanda e Grécia encaminharam uma carta a Federica Mogherini, chefe da diplomacia da UE, afirmando que o governo Michel Temer carece de legitimidade.
Segundo o documento, a presidente afastada Dilma Rousseff foi vítima de um “golpe branco” e a UE deve se posicionar sobre o assunto suspendendo as negociações de um acordo de livre-comércio entre o bloco e o Mercosul, que vinham se arrastando há décadas e recentemente voltaram à mesa no ano passado.
Em entrevista à DW, o eurodeputado Xabier Benito, do espanhol Podemos, que liderou a iniciativa, disse esperar que a carta inicie um debate sobre a situação política do Brasil. Até lá, segundo ele, o melhor é que as negociações sejam suspensas.
“Nossa postura é defender acordos que não levem apenas ganhos financeiros, mas também direitos humanos e a discussão com atores legítimos. E nesse momento estamos vendo surgirem dúvidas sobre a legitimidade do governo interino e sua legitimidade em negociar um acordo tão amplo”, disse o deputado, que é vice-presidente da delegação do Parlamento Europeu para as relações com o Mercosul.
Munição para apoiadores de Dilma
Para especialistas, no entanto, a iniciativa dos deputados não deve ter maiores consequências e seu impacto deve se limitar por enquanto a fornecer munição retórica para defensores de Dilma.
“Muita gente no Brasil parece ter entendido que esse já era um posicionamento do Parlamento Europeu, mas não é o caso. É a manifestação de um bloco de deputados. São 34 no meio de 751. Se eles tivessem força, teriam feito algo mais amplo do que uma carta”, afirma o cientista político belga Frédéric Louault, da Universidade Livre de Bruxelas.
“A importância dessa ação é mais simbólica. Não deve ter consequências concretas nas negociações. Os países europeus estão sendo prudentes sobre a situação no Brasil, evitando se manifestar. Essa carta não deve mudar isso”, completa.
Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, concorda. “É muito difícil que os altos comissários da UE tomem posição a partir disso, sem que pelo menos alguns países do bloco tenham dito qualquer coisa crítica ao processo no Brasil. E até agora nenhum país europeu fez isso”, comenta.
Segundo Stuenkel, também é preciso levar em conta que os deputados que assinaram a petição já eram de grupos críticos ao tipo de acordo negociado entre a UE e o Mercosul. “É uma facção de esquerda, que normalmente já teria uma posição crítica em relação a globalização e acordos de livre-comércio. Não vai ter impacto sobre a posição geral da UE”, afirma.
Negociações nas mãos de comissários
O deputado Benito afirma que não quer parar na carta, mas que ele seus colegas pretendem convidar a embaixadora brasileira na União Europeia para conversar. “Queremos discutir o que está acontecendo no país. Estamos preocupados.”
Ele admite, no entanto, que a decisão sobre as negociações depende de Mogherini e de outros altos-representantes da UE. Ele afirma que a própria posição da delegação para relações com o Mercosul, da qual faz parte, é mais de observação e sugestão. “As negociações estão mesmo nas mãos dos comissários, eles são o poder Executivo”, diz.
Em casos anteriores, outros grupos de eurodeputados também enviaram cartas a Mogherini pedindo que acordos comerciais fossem usados para pressionar politicamente outros países. Em um desses episódios, no início de 2015, 63 deles pediram a comissária que um acordo de associação com Israel fosse congelado por causa da questão palestina. A diplomacia comercial europeia evitou tomar posição.
Stuenkel afirma que o mesmo deve ocorrer no caso brasileiro. “A negociação sobre acordos de livre-comércio dificilmente passa por questões ideológicas”, afirma.
Louault concorda. “A comissária pode simplesmente responder de maneira evasiva, sem tomar posição”, diz. “Mesmo sem consequências concretas, ainda assim isso mostra de que existe uma tendência em discutir no exterior o que está acontecendo no Brasil – e especialmente discutir de maneira crítica”, finaliza Louault.