De Praga para o mundo
Na época de Kafka Praga era um centro cultural da Europa. A cidade e seus habitantes marcaram o autor, psicológica e intelectualmente. Lá ele sofreu e escreveu. Mas a partir dela também conquistou reconhecimento mundial.
O poeta: Franz Kafka
Nascido em 3 de julho de 1883 em Praga, o autor Franz Kafka tinha como principal característica uma sensibilidade espantosa. Ele absorveu a atmosfera da metrópole, nela conheceu o medo e o amor, e desenvolveu sua percepção dos aspectos absurdos da modernidade. Nela ele encontrou gente e livros que o marcaram. E aqui também viveram muitos que ele, por sua vez, influenciou.
A obra: A metamorfose
Um homem acorda de manhã e se vê transformado num inseto gigantesco e repulsivo. É o fim de sua existência como membro da sociedade: ele perde o trabalho, mesmo sua família o repudia. Psicologicamente, Gregor Samsa não mudou nada. Assim, a grande questão de "A metamorfose" é: o que constitui a humanidade de um ser humano?
A culpa inexplicável: O processo
Certo dia Josef K. é intimado a se apresentar diante da corte penal. Mas qual foi seu crime? Ele não tem ideia. Certo é que as engrenagens da Justiça começaram a girar. Ele é lançado de uma instância à outra, sem esperanças, sem conhecer o motivo. E assim vivencia quão onipotente é o Estado – e quão insignificante ele é, como ser humano. (Cena do filme "O processo", de Orson Welles, 1962)
O medo sem nome: O castelo
O agrimensor K. espera permissão para entrar num certo castelo rural. Embora seus pedidos sejam repetidamente recusados, ele pode permanecer na vila pertencente ao senhor do castelo. Mas por que seus habitantes têm tanto medo deste, embora ele não lhes faça nenhum mal? O romance estuda a psicologia do medo. (Foto: "O castelo", em montagem do Deutsches Theater)
O cenário: Praga
Na época em que viveu Kafka, Praga era um centro cultural da Europa. Importante parte do reino dos Habsburgos, por volta de 1900 era uma metrópole cosmopolita e multicultural, e meca da literatura dos idiomas alemão e tcheco. Assim como Kafka, muitos autores dominavam ambas as línguas. Praga e seus habitantes influenciaram decisivamente o poeta, do ponto de vista psicológico e intelectual.
O "über-pai": Hermann Kafka
Herman Kafka (1852-1931) era um homem imponente – estatura avantajada, possante, seguro de si. Abatedor de profissão, dentro da família de judeus asquenazi, sua palavra era lei. Na famosa "Carta ao pai", de 1919, Franz Kafka resume seus anos de infância: "Eu, magrelo, fraco, tu, forte, grande, largo". Mas o autor se vinga: em suas obras, os homens fortes são rebaixados a meras caricaturas.
O fundador do Estado judaico: Theodor Herzl
Na Boêmia, nacionalistas exaltados se reuniam com frequência crescente em arruaças antissemitas. Assim, também judeus não religiosos como Franz Kafka começaram a simpatizar com a ideia de Theodor Herzl (1860-1904) de um Estado judeu na Palestina. Kafka considera uma viagem à região, mas é forçado a desistir, por motivos de saúde. Em compensação, em seus últimos anos de vida ele aprende hebraico.
O amigo: Franz Werfel
Longas tardes às margens do Moldávia, longas noites nos cafés de Praga: com o amigo Franz Werfel (1890-1945) Kafka saboreia os encantos da metrópole. Embora pouco mais velho, Werfel já é um astro literário. E Kafka não está acima dos sentimentos de inveja: "Odeio W.", anota, "Ele é saudável, jovem e rico, eu sou o contrário disso tudo". E, no entanto, ambos mantêm a amizade.
O filósofo: Friedrich Nietzsche
Em meados do ano 1900, Kafka está como que paralisado pelos escritos de Nietzsche: "E quando desta cinza a brasa se erguer, brilhante e ardente, e tu a fixares, então..." O quê? Kafka está incapacitado de escrever: a impressão deixada pela arte nietzscheana é forte demais. A arrogância diante da Igreja e do Estado, a mediocridade intelectual burguesa: eles também passarão a ser temas kafkianos.
A noiva: Felice Bauer
"Nariz fino quase quebrado. Cabelo louro, meio duro, sem brilho, queixo forte." Assim Kafka descreve Felice Bauer após o primeiro encontro, em 1912. No entanto ela o fascina: ambos se escreverão 500 cartas. Por duas vezes contraem noivado, por duas vezes ele rompe o contrato de casamento. Felice se muda para os Estados Unidos – bem longe do poeta que, durante cinco anos, lhe roubara o coração.
O irmão espiritual: Søren Kierkegaard
Em seus primeiros anos de vida, o dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855) viu numerosos de seus parentes morrerem de diferentes moléstias. Isso se reflete em sua sombria filosofia. Kafka anota em 1913, fascinado: "Como eu intuía, seu caso é muito semelhante ao meu, apesar de diferenças essenciais". A comparação se aplica à vida afetiva: também Kierkegaard teve um amor infeliz.
O médico de almas: Sigmund Freud
O ego é fraco. Ele não é senhor nem mesmo dentro da própria casa. "Freud nos faz ler coisas inauditas", anotava Kafka em 1912. O poeta respeitava as descobertas do neurologista, as quais coincidiam diretamente com suas vivências pessoais. Mas os seres humanos teriam cura? Kafka era cético: apesar dos resultados promissores da moderna psicologia, "nada aconteceu de verdade", comentou.
O editor: Kurt Wolff
Kurt Wolff era um editor dedicado, que reunia em torno de si os jovens talentos da época. Mas Kafka era um caso difícil: em 1912, publicou seu primeiro volume de contos, numa tiragem de 800 exemplares. As vendas se arrastaram. "Onze livros foram vendidos", escrevia o autor algumas semanas após o lançamento. "Dez fui eu que comprei. Queria saber quem foi o décimo-primeiro."
O mentor: Max Brod
Kafka duvidava de si. Por muitas vezes foi o amigo e colega Max Brod (1884-1968) a lhe insuflar ânimo. No entanto, em 1924, ano de sua morte, Kafka determina que todos os seus manuscritos devem ser postumamente queimados. Brod decide desrespeitar o testamento. Em vez disso, publica os escritos, salvando assim uma das mais significativas obras literárias do século 20.
O biógrafo: Saul Friedländer
No destino de Kafka, Saul Friedländer (*1932) reconheceu coincidências com o seu próprio. Como o poeta, o pai de Friedländer estudou na Universidade Alemã de Praga; e, como as irmãs de Kafka, os pais do biógrafo também morreram em campos de concentração alemães. Friedländer se transportou ao período antes do Holocausto, e escreveu uma das mais belas e perspicazes entre as biografias kafkianas.