Dependência tecnológica aumenta procura por tratamento psicológico
31 de agosto de 2013Pesquisar no google, trocar confidências no whatsapp, atualizar o twitter e postar fotos no facebook são hábitos corriqueiros, mas não tão inocentes como parecem. Eles criaram uma dependência tecnológica que, em alguns casos, pode resultar em necessidade de tratamento. Entre os principais problemas, alertam os especialistas, está a perda de controle da administração do próprio tempo e doenças relacionadas ao isolamento, o que têm aumentado a demanda nos consultórios psicológicos.
"Quando o tempo pessoal é prejudicado porque eu dedico o tempo para o uso da tecnologia, isso está sendo um problema”, explica Sueli Ferreira Schiavo, psicóloga do Conselho Federal de Psicologia. "Nesse caso, a tecnologia está colocando o tempo das pessoas à disposição de um modelo de consumo, de um modelo de sociedade. Precisa verificar quanto isso pode resolver ou criar problemas na vida dela", analisa.
Ainda não existe um estudo epidemiológico mais aprofundado para poder dizer qual é o impacto do uso descontrolado da internet na vida das pessoas, aponta Sueli, que também é mestre em Educação. Mas o tema faz parte das sessões de terapia dentro dos consultórios.
As pessoas se isolam porque não têm habilidade social e se sentem mais seguras na frente do computador. Na internet, elas conseguem se comunicar melhor – nesse espaço, é possível assumir qualquer identidade. Já as pessoas com dificuldades psíquicas, como timidez ou transtornos psiquiátricos (depressão ou transtorno obsessivo compulsivo) continuam solitárias. "Elas fazem perfis falsos. É como se fosse um novo palco para manifestar essas patologias", aponta Sueli.
Conectado e solitário
O novo cenário inspirou a fundação do Grupo de Dependência de Internet do Instituto de Psiquiatria, formado por profissionais do Hospital das Clínicas de São Paulo. Um dos critérios listados pelo grupo para definir a dependência da internet é ter o trabalho e as relações sociais em risco pelo uso excessivo da tecnologia. A tendência se reflete principalmente no isolamento e na superficialidade.
"As pessoas estão cada vez mais ‘fast'. Tudo tem que acontecer de forma muito rápida, automática e imediata. Lidam cada vez pior com as frustrações do dia a dia. Esse é o pior fenômeno: perder a habilidade para retardar o prazer", observa Dora Sampaio Góes, psicóloga e vice-coordenadora do grupo. Segundo ela, adolescentes e jovens são os mais vulneráveis.
Os casos mais comuns de dependência tecnológica estão ligados às redes sociais, embora celular e videogame também façam parte da lista. O mecanismo criado para promover o encontro pode fazer exatamente o contrário. "É muito comum a gente ir a bar e lanchonete e ver grupos de jovens, cada um conversando via torpedo ou por meio de outro aplicativo, mas com outras pessoas. Então elas não estão ali", analisa Góes. Ela lembra que no meio virtual, perde-se a possibilidade de desenvolver habilidade social. "As pessoas vão ficar cada vez mais solitárias, vão se encontrar menos."
A opinião não é consenso entre os estudiosos da área. O psicólogo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ViníciusThomé Ferreira, aponta o poder de união dessas redes. "Os acontecimentos dos últimos meses que mobilizaram a população brasileira para reivindicar mudanças na política nacional são fortes indicativos do poder integrador que as redes possuem para aproximar as pessoas", observa. Ele ressalta que vários protestos foram combinados pelas redes, permitindo a participação de milhares de pessoas. "Isto não é algo que afasta as pessoas, mas aproxima, e foi proporciondado pela existência das redes sociais."
"Estar conectato é estar vivo"
Na avaliação de Sueli Ferreira Schiavo, o uso indiscriminado das redes sociais reflete a necessidade de visibilidade. "As pessoas precisam se sentir visíveis. Isso faz parte de um modelo de sociedade", opina. "As pessoas acham que se relacionam com pessoas, na verdade se relacionam com máquinas. É um modelo de sociedade que gera carência de interação social."
As redes sociais estão reconfigurando a maneira como as pessoas se relacionam, na opinião de Vinícius Thomé Ferreira. Ele acredita que o advento das tecnologias da informação, e especialmente a internet, produziram um impacto sem limites sobre o comportamento humano. "Não importa mais hoje onde você esteja, desde que tenha acesso à internet e uma conta numa rede social, você poderá manter contato em tempo real com pessoas no outro lado do mundo. O espaço já não é mais um problema para que as pessoas se relacionem, pois todos estamos virtualmente conectados", analisa. "Estar conectado é quase um sinônimo de estar vivo."
Sueli diz que a inversão de papeis não é saudável. "Relacionar-se com máquinas não resolve o déficit real de atenção de pessoas. Essas questões podem levar a uma angústia e ansiedade. A tecnologia tem um papel. É preciso saber a diferença entre o papel da tecnologia e o papel das relações humanas."
O limite entre o saudável e o problemático é tênue. "É como se fosse um anestésico da própria vida. Enquanto você está lá, você não está em contato com a sua vida, com as suas dificuldades, com os seus problemas, com as suas metas. Cada vez mais os jovens não querem viver os desconfortos do cotidiano e ficam na tecnologia", avalia Dora.