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Dez anos de Lei Maria da Penha: avanços e lacunas

Roberta Jansen7 de agosto de 2016

Sancionada há uma década, legislação contra violência doméstica é hoje amplamente conhecida como instrumento de proteção à mulher. No entanto, número de denúncias e julgamento de agressores ainda deixam a desejar.

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Homem pega mulher pelo braço
Foto: picture-alliance/dpa/I. Kjer

Num país em que pouco se lê e onde as noções de cidadania ainda engatinham é no mínimo surpreendente constatar que uma lei seja conhecida por 98% da população. E ainda por cima uma lei feminista. Sancionada em 7 de agosto de 2006 – há exatos dez anos – a Lei Maria da Penha está presente nos discursos sobre a proteção contra a violência doméstica e também na fala jocosa de muitos homens, que tentam reduzir a força da legislação, transformando-a em piada. Não importa. O fato é que todos sabem que ela existe para proteger as mulheres.

"A lei foi essencial para tirar a legitimidade da violência doméstica", afirma Juliana de Faria, fundadora da ONG Think Olga, da nova geração do feminismo nacional. "A grande vitória da lei é que o número de pessoas que a conhece é muito alto; então, ela tirou a violência de debaixo do tapete e mostrou que ela não é parte natural da vida."

A modelo Luiza Brunet, de 54 anos, por exemplo, denunciou as agressões do ex-companheiro, o empresário Lírio Parisotto, que a deixaram com quatro costelas quebradas e um olho roxo em maio deste ano.

"Graças à luta de uma mulher – Maria da Penha – muitas outras estão procurando Justiça", escreveu a modelo em sua página no Facebook, em 26 de julho. "Não devemos nos calar." A modelo criou a hashtag #CoragemPraMudar, que, em menos de cinco dias, alcançou 98 milhões de visualizações.

"Um levantamento do Instituto Pagu mostra que 98% da população conhecem a lei e sabem que se trata de uma lei para proteger mulheres da violência", destaca a assistente social Marisa Chaves de Sousa, coordenadora do Centro de Referência para Mulheres Suely Souza de Almeida, da UFRJ.

Ciclo difícil de romper

F., de 38 anos e moradora de São Gonçalo, conhecia a lei. Na semana passada, ela aceitou ir com a mãe a um centro de atendimento à mulher em seu município, depois de ter sido mais uma vez espancada pelo marido. Grávida de três meses de gêmeos, F. apresentava hematomas na barriga, um olho roxo e sinais de enforcamento no pescoço.

Ela conversou longamente com a assistente social do centro, dormiu uma noite na casa da mãe e chegou a ser encaminhada a um hospital para fazer uma ultrassonografia. Já tinha, inclusive, uma vaga garantida num abrigo. No entanto, acabou fugindo e voltando para casa.

Portanto, o fato de conhecer a lei, não significa necessariamente que a mulher consiga romper o ciclo da violência doméstica, afirmam especialistas. Baixa auto-estima, dependência emocional e financeira e vício em álcool e drogas são alguns dos fatores que fazem com que as mulheres voltem para os agressores.

Sousa aponta que o número de denúncias diminuiu no ano passado, em cerca de 30%. Segundo a assistente social, não há nenhum indício de que a violência contra a mulher tenha, de fato, diminuído nos dez anos da Lei Maria da Penha.

Ela acredita que o desmantelamento da rede estadual de apoio às vítimas esteja fazendo com que menos mulheres denunciem as agressões sofridas. O Dossiê Mulher 2016, organizado pelo Instituto de Segurança Pública, revela que, no ano passado, 360 mulheres foram assassinadas, 4.887 foram estupradas e 49.281 foram vítimas de agressão física.

"A Lei Maria da Penha funciona bem na aplicação das medidas preventivas [no sentido de manter o agressor imediatamente afastado da vítima], mas leva muito tempo até o acusado ser julgado. Muito tempo se passa desde o registro da agressão até o julgamento", analisa Sousa. "Nesse tempo todo, essa mulher fica desassistida e, muitas vezes, acaba retirando a queixa contra o agressor."

Apesar de destacar o fato de a lei ser amplamente conhecida como uma grande conquista, a especialista aponta que a estrutura de apoio nas delegacias e nos centros de assistência a vítimas – que contam com assistentes sociais, psicólogos e advogados – está desmantelada. E isso faz com que a mulher agredida fique sem um apoio crucial para levar adiante as denúncias.

Melhor implementação

A própria Maria da Penha – ela mesma vítima de violência doméstica durante 23 anos e que a deixou paraplégica – falou sobre o tema em pronunciamento feito por ocasião dos dez anos da legislação.

"Várias foram as mudanças ocorridas, tais como aumento significativo do número de delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAM's), a criação das Varas de Violência contra a Mulher, a criação de Casas Abrigos e Centro de Referências, a definição das Medidas Protetivas para a mulher vítima e a criminalização da cultura da violência, como a lei do Feminicídio", enumerou.

"A lei não precisa ser alterada, ela precisa ser cumprida, efetivada, fortalecida em sua implementação pelos gestores públicos e operadores de direito", ressaltou Maria da Penha. "Não é possível mais estarmos enfrentando embates sobre aplicar ou não a lei; sobre se a violência contra a mulher é ou não de menor potencial ofensivo; sobre se deve ou não aplicar as medidas preventivas. A lei tem e deve ser aplicada em qualquer contexto de violência contra a mulher."