Disputa do gás entre Rússia e Ucrânia pode afetar UE
17 de junho de 2014Até segunda ordem, fracassaram as negociações para a redução do preço do gás natural russo para a Ucrânia e para a revisão da dívida de Kiev. As duas partes não conseguiram chegaram a um acordo na noite desta segunda-feira (16/06), mesmo com a mediação do comissário de Energia da União Europeia, Günther Oettinger.
Em reação, Moscou suspendeu o abastecimento, e a empresa estatal Gazprom só continuará fornecendo gás se Kiev fizer o pagamento com antecedência. O governo russo assegura que o fornecimento para a UE não será afetado.
Tanto a Ucrânia como a Rússia apresentaram queixa ao Tribunal de Arbitragem de Estocolmo, que analisa disputas comerciais internacionais. Assim se anuncia mais um conflito prolongado entre as duas nações.
Há bastante tempo as relações entre os vizinhos são extremamente tensas. Em fevereiro, o presidente ucraniano deposto Viktor Yanukovytch buscou refúgio na Rússia, em decorrência dos protestos de massa dos ucranianos. Durante meses, centenas de milhares haviam se manifestado contra a decisão do pró-russo Yanukovytch de suspender o acordo de associação com UE, já em andamento.
A crise se agravou com a anexação da península da Crimeia pela Rússia. Kiev também acusa Moscou de apoiar os separatistas pró-russos no leste da Ucrânia. Por fim, o Kremlin ainda não reconheceu oficialmente o novo presidente ucraniano, Petro Poroshenko, eleito em maio e favorável à aproximação do país com a UE.
Alternativa europeia
Segundo declarações de Kiev, a Ucrânia já se preparava para um eventual corte de abastecimento por parte dos russos e armazenou, em tanques subterrâneos, suficiente gás para se manter até dezembro.
Na avaliação de Yuri Korolchuk, do Instituto de Estudos Energéticos em Kiev, contudo, o estoque só deve durar até meados de setembro. Depois disso, o país terá que consumir gás russo em trânsito para o abastecimento da UE. "Sem a ajuda dos europeus, Kiev não estará em condições de criar reservas de gás que bastem para o inverno", afirmou à DW.
Apenas um consenso entre a Gazprom e a empresa ucraniana de energia Naftogaz poderá apresentar uma saída dessa crise. Mas primeiro Kiev terá que pagar suas dívidas. "A UE nos ajudou a receber 2 bilhões de dólares do Fundo Monetário Internacional para saldar a dívida com a Gazprom", lembra Korolchuk. De qualquer modo, conclui, é preciso negociar, e seria melhor fazê-lo o mais rápido possível, sem aguardar o veredicto do Tribunal de Estocolmo.
Bogdan Sokolovsky, ex-consultor de segurança energética da presidência ucraniana, acredita que Kiev não deve temer a ação da Gazprom no Tribunal de Arbitragem. Afinal, em abril, Moscou rescindiu unilateralmente os Acordos de Carcóvia, de 2010, que previam uma redução no preço do gás em troca da prorrogação do estacionamento, na Crimeia, da frota russa no Mar Negro.
Sokolovsky também defende que a Ucrânia utilize fontes europeias de gás para compensar o corte de abastecimento russo. "Isso não é apenas possível, mas necessário", enfatiza. "A Rússia hoje é um agressor da Ucrânia, e com um agressor não pode haver cooperação."
Líderes devem negociar
Muito depende de quanto gás a Ucrânia poderá importar da Europa, concorda Alexei Kokin, especialista em Energia da empresa russa de investimentos Uralsib Capital. Contudo ele não acredita que o gás europeu baste para suprir as necessidades ucranianas.
"Os problemas vão começar para todos – a Ucrânia, a Rússia e a UE – quando as temperaturas caírem e aumentar a demanda de gás na Europa e na Ucrânia", o que normalmente ocorre entre o fim de outubro e novembro.
Kokin enfatiza que os diretores da Gazprom e da Naftogaz não estão em posição de encontrar uma solução definitiva para o problema: isso cabe exclusivamente aos chefes de Estado. A Ucrânia exige que do contrato sobre o fornecimento de gás conste uma nova fórmula para fixar o preço. "A meu ver, é esse o ponto que causa as divergências", diz o especialista, aludindo à eliminação unilateral pela Rússia do desconto sobre o gás, em seguida à anexação da Crimeia.
O especialista em energia do russo Alfa Bank, Alexander Kornilov, enfatiza que a disputa pelo preço do gás não é de fundo econômico, mas político. Ele concorda que para "desatar o nó" será preciso não apenas esforços por parte da Gazprom e da Naftogaz, mas, sobretudo, boa vontade recíproca dos chefes de Estado russo e ucraniano.
Ele não acredita, porém, em negociações para breve. "É verão, o consumo de gás na Europa e na Ucrânia não é elevado. Provavelmente só vai haver negociações no outono", observou Kornilov. Nesse meio tempo, talvez o Tribunal de Estocolmo até já tenha chegado a uma decisão.