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Entrevsita

21 de agosto de 2010

Em entrevista à Deutsche Welle, o escritor búlgaro-alemão Ilija Trojanow, durante passagem por São Paulo, descreve suas impressões sobre o Brasil e fala sobre o papel da literatura na sociedade contemporânea.

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Ilija Trojanow: interseção cultural é essencial para a evoluçãoFoto: Danila Bustamante

O Colecionador de Mundos, (Der Weltensammler), lançado no Brasil pela Companhia das Letras, é baseado na trajetória de Richard Francis Burton (1821-1890), trazendo ao leitor universos culturais contrastantes, ao resgatar as viagens do explorador britânico à Índia, Meca e África.

Considerado um dos grandes nomes da nova geração da literatura alemã e vencedor de importantes prêmios literários, Ilija Trojanow, o autor do livro, diz não carregar nenhum ressentimento por priorizar o alemão em detrimento do búlgaro, sua língua materna, quando escreve.

"Sou alérgico a tudo o que tem a ver com nacionalismo, não acredito em raças nem dou muita importância a origens. O alemão simplesmente atinge mais pessoas que o idioma búlgaro", disse ele em São Paulo, onde participou de um debate no Instituto Goethe. Leia abaixo a íntegra da entrevista exclusiva do escritor à Deutsche Welle.

Deutsche Welle: Seu romance O colecionador de mundos, cuja tradução para o português acaba de ser publicada no Brasil, é um best-seller mundial. A que se dá esse sucesso?

Ilija Trojanow: Não sei, pergunte aos leitores (risos). Posso apenas repetir o que ouvi daqueles que conversaram comigo ou me escreveram cartas. Parece que muitos se identificam com o tema do romance, pois há muitas pessoas que levam uma vida dinâmica e multicultural. Para essas pessoas, é muito importante questionar até que ponto diferentes identidades culturais e religiosas podem se misturar à identidade individual pessoal. Para essas pessoas, esse é um questionamento central.

E acredito que esse livro se sustente a partir de um pensamento ético fundamental, que rejeita coisas como nacionalismo, racismo, estreiteza de pensamento, monocultura, ideias de pureza ou origem. Isso faz com que muitas pessoas se idenfiquem com a obra. Além disso, o romance parece funcionar como tal, caso contrário não haveria tanta gente lendo o livro com prazer.

Você nasceu na Bulgária, cresceu na Alemanha e na África e viveu alguns anos na Índia. Como se posiciona frente à tese de um "choque de civilizações", na condição de alguém que vivenciou de perto várias culturas e religiões?

A tese de Samuel Huntington nada tem a ver com a realidade. Trata-se de uma ideologia, criada para legitimar missões militares dos EUA. A realidade é exatamente oposta. A criatividade cultural e a evolução acontecem sempre através da mistura, através da congruência.

Sem um confronto com o "outro", sem uma mistura entre o que é próprio e o que é estranho, não teríamos nenhuma evolução cultural. Essa é, na realidade, uma característica típica das civilizações. E as grandes cidades da civilização, desde Alexandria, por exemplo, na Idade Antiga, sempre foram cidades com muita diversidade, não importa em que sentido: pintura, música, literatura.

As grandes evoluções sempre se deram através de uma interseção de culturas. Os conflitos são de outra ordem: dogmática, política, econômica. Eles dizem respeito a recursos naturais, interesses, poder e dinheiro, mas nunca à cultura. Acredito que jamais tenha havido um conflito motivado pela cultura.

Você já viajou bastante. Sente-se em casa em todos os continentes?

Não, sinto-me em casa onde estão as pessoas que são mais próximas a mim, pessoas que amo e que me amam, onde me estabeleci e onde está minha biblioteca. Mas percebi que posso me sentir rapidamente em casa em diferentes lugares. Quando vivi, por exemplo, cinco anos em Bombaim, na Índia, me sentia em casa lá. E se, por alguma razão, tivesse que me mudar para o Brasil, certamente iria me sentir em casa aqui.

De passagem pelo Brasil, quais são suas impressões sobre o país?

Autor Ilija Trojanow in Brasilien
Foto: Danila Bustamante

Fiz uma viagem muito interessante. Viajei do Amazonas à Bahia, locais onde encontrei o Brasil índio e africano respectivamente. Depois passei por Porto Alegre e São Paulo, ambos com influência mais europeia. É uma fascinante celebração à diversidade, uma experiência maravilhosa, pois não deve haver outro país no mundo com tamanha diversidade. Foi uma bela e inspiradora viagem.

O que significa, para você, a publicação da tradução de seu livro para o português?

Fico muito feliz com a publicação do livro no Brasil, pois essa obra tem a ver com o país. Muitos dos temas tratados no livro são também brasileiros: a vivência comum [entre diversas culturas], influências e origens diferentes, a forma de lidar com a diversidade, a dificuldade de compreensão [do outro], máscaras, camuflagem, metamofoses - todos temas muito significativos na história cultural brasileira. De forma que o Brasil é muito interessante para mim, acredito que aqui o livro terá muitos leitores.

Você acredita no poder da literatura de transformar a sociedade?

É claro, caso contrário não escreveria livros. Acredito que nada modifica de forma tão contundente uma sociedade quanto as ideias, que são algo muito forte. Toda a história da humanidade está cheia de exemplos disso. Se observamos hoje tudo o que consideramos óbvio, como os direitos humanos, a abolição da escravatura, tudo isso era impensável há dois, três séculos.

Havia apenas alguns poucos autores, que lançaram essa ideia, tanto na Filosofia quanto na literatura. E essas ideias surtiram um efeito incrível. Seria ingênuo e errôneo acreditar que a literatura não modifica a sociedade.

Poderia falar um pouco sobre a ideia de "liberdade" mencionada no título do livro Angriff auf die Freiheit (Ataque à liberdade), escrito em parceria com Juli Zeh?

Autor Ilija Trojanow in Brasilien
O escritor durante debate em São PauloFoto: Danila Bustamante

Vivemos em uma época, na qual o cidadão é cada vez mais vigiado. Pelo Estado - uma tendência crescente após o 11 de setembro, em quase todos os lugares - e pelas autoridades, pela polícia, que recebem cada vez mais permissões especiais para monitorar e vigiar o cidadão, a fim de reunir informações sobre ele.

Mas também empresas fazem uso desse mecanismo, o melhor exemplo é o Google, que tem uma conduta muito negligente com os dados do cidadão. Como soubemos recentemente, o Google coopera com a CIA. Há aí pontos de interseção entre a vigilância praticada por empresas privadas e aquela praticada pelo Estado.

O que o cidadão ainda não entendeu é que, no século 21, informação significa dinheiro e poder. Muitas pessoas se comportam de forma muito negligente em relação a seus próprios dados.

Elas não reconhecem como é perigoso que instituições e empresas disponham desses dados, podendo manipulá-los em prejuízo do cidadão. De forma que é muito importante lutar em prol da liberdade frente à essa vigilância, pela liberdade do cidadão de manter o controle sobre seus próprios dados.

Como você analisa essa liberdade no contexto alemão?

Esse fenômeno que acabo de descrever é também na Alemanha um grande problema. Infelizmente é um fenômeno que acontece em toda a União Europeia, porque a maioria das mudanças se dão em esfera europeia.

São diretrizes políticas aprovadas pela UE e que se tornam obrigatórias em todos os países. E o atual governo alemão possui deficiências em reconhecer esse problema e se tornar atuante em prol do cidadão. Há um longo caminho pela frente neste sentido no país.

Quais são seus planos futuros?

No campo literário, estou escrevendo meu próximo livro sobre a catátrofe climática. O protagonista é um pesquisador de geleiras e o cenário, em parte, a Antártica. Um tema bem diferente, mas, acredito, também muito relevante.

Entrevista: Luciana Riccó

Revisão: Soraia Vilela