DJ Hans Nieswandt: uma volta ao mundo em 80 beats
27 de julho de 2006DW-WORLD: Você foi convidado por Institutos Goethe de diversos países para representar a música eletrônica alemã. No seu livro "Disko Ramallah", você conta esta experiência. Sua viagem começa e termina no Rio de Janeiro, por que o seu livro se chama "Disko Ramallah"?
Hans Nieswandt: O livro não se chama somente Disko Ramallah, mas Disko Ramallah e outros lugares curiosos para se fazer som. O capítulo do Oriente Médio é o mais extenso, nele também se devem incluir as viagens a Beirute, onde estive duas vezes. Disko Ramallah é um nome que inventei, em homenagem à cidade da Cisjordânia onde fui convidado para dar workshops. O nome me veio à cabeça por unir dois conceitos que não combinam: discoteca e Ramalá, onde não se pode e não se deve festejar quando se quer.
É preciso entender que a cultura ocidental de DJs e clubes é associada na Palestina a Israel. Tel Aviv é uma cidade famosa pelas suas festas.
Há uma Parada do Amor, um Dia do Orgulho Gay, travestis e meninas de biquíni. Além disso, a Cisjordânia vive sempre em crise, pessoas morrem constantemente. Organizar festas seria uma falta de piedade. Por esta razão, não se pode festejar sempre.
Rio, Kiev, Ancara, Viena, São Petersburgo, Odessa, Vilnius, Cairo, Ramalá. Por que o Instituto Goethe escolheu você para representar a música eletrônica alemã?
Eu era jornalista de uma revista especializada chamada Spex e já era bastante conhecido na cena eletrônica. Em 1994, alguém do Goethe me pediu para viajar para diversas cidades do Brasil e explicar aos diretores locais do Instituto Goethe que artistas alemães existiam e poderiam ser eventualmente convidados para dar workshops. Foi no Brasil que tudo começou.
No Rio de Janeiro, você foi convidado para fazer uma instalação no Centro Cultural Banco do Brasil, participou de uma peça de Bia Lessa e tocou em um clube em Ipanema. Não lhe incomodam as diferenças sociais no Brasil?
No Brasil ou na Palestina, eu sou um homem político. Em um primeiro livro, Mais Menos 8 (em alusão ao regulador do mixer), eu observei de forma mais atenta as diferenças sociais no Brasil. O Instituto Goethe ainda não me convidou para fazer som em uma favela. Acredito que seria difícil para o instituto garantir a segurança de um DJ convidado.
Tenho vários amigos no Rio e em São Paulo. Eles vivem bem, o que não é o caso dos meus amigos na Cisjordânia. Lá, o Exército está presente o tempo todo, eles têm que voltar para casa no máximo às 22 horas, quando fecham os checkpoints. Para alguém que vem de um país seguro como a Alemanha, a situação na Cisjordânia é como um filme, um filme de agente secreto. Algo em que estou trabalhando agora: a figura do DJ como agente duplo.
Música pode ser política?
Existe um filme muito bonito sobre o apartheid na África do Sul. A tese do filme é a de que os negros expulsaram-no dançando. Quando alguém ia ser fuzilado, todos os outros prisioneiros começavam a cantar. É um filme muito bonito, e nele música é bastante política. E funcionou.
Vejo minhas origens musicais no movimento por igualdade de direitos dos negros e homossexuais do final dos anos de 1960, no movimento psicodélico hippie, na música soul negra. A música foi o espaço comum que encontraram para poder se unir, a música lhes deu alegria e segurança em um momento difícil e em um ambiente hostil.
Tudo isso culminou no movimento da música disco. As primeiras músicas de discoteca eram cheias de mensagem, por um futuro melhor entre irmãos e irmãs. A situação torna-se muito complicada quando a música é proibida, como no caso dos talibãs. Todos têm direito à música, você já imaginou se proibissem a música no Brasil?
Quanto de política e quanto de hedonismo existe em tecno e house?
No momento, o tecno como portador de idéias está em crise. O tecno já cumpriu sua função como promessa social. Há dez anos, poderia se falar de tecno como forma de movimento social, hoje ele está completamente sem sentido. Veja por exemplo a última Love Parade, completamente esvaziada de sentido. O que ela sempre foi, mas seu antigo organizador, Dr. Motte, tentava pelo menos dar um sentido maior à coisa, através de lemas como a paz, o amor etc.
Se poderia comparar com o Dia do Orgulho Gay. Tudo se encobriu de um culto ao corpo, de uma cultura de evento. Tudo se tornou bastante superficial. Notei no último CSD que não houve minuto de silêncio. Esses jovens precisam saber que muitas pessoas morreram e foram presas para que eles possam ter a liberdade que têm hoje.
Que tipo de novo movimento musical pode surgir de tão completo vazio?
Depende de onde isto acontece. Isto é válido para a Alemanha, com certeza, mas tem um outro significado na China ou no Oriente Médio. Viajar como DJ para o Oriente Médio implica um outro potencial de libertação.
Leia mais sobre a origem da música tecno e house
Desde Stockhausen e Kraftwerk, a música eletrônica começou a fazer parte do patrimônio cultural alemão. A música eletrônica é algo tipicamente alemão?
Não é algo tipicamente alemão, porque outros países também têm boa música eletrônica, mas eles também têm um forte folclore. A Alemanha teve uma vantagem através do grupo Kraftwerk, cuja imagem era bastante alemã. Eles eram muito precisos nos movimentos, faziam uma arte-engenharia, eles lidaram muito bem com a língua alemã. Para muitas pessoas, funciona bem a imagem do alemão como racional, sem nenhum suor, mas apesar disso, funky.
A associação com os robôs do Kraftwerk, que têm alma. Tudo isso pôde se personificar melhor nos alemães.
Você menciona em seu livro cidades como Chicago, Detroit e Sheffield como origem do movimento tecno e house. Qual a influência de Stockhausen e Kraftwerk nesta origem?
Como origem do tecno e house, Kraftwerk tem possivelmente uma importância maior do que Stockhausen. Este mostrou as possibilidades dos equipamentos eletrônicos, dos osciladores e moduladores. Kraftwerk lucrou com este desenvolvimento iniciado por Stockhausen e o levou para o nível da cultura pop.
Com relação ao movimento iniciado em cidades como Chicago, é fascinante observar como os negros se soltaram na música do Kraftwerk, quando tocada nos clubes. O movimento tecno e house se iniciou com o Kraftwerk e foi continuado pelos habitantes e DJs de tais cidades.
Qual a relação entre música eletrônica e globalização?
A relação é muito forte, se considerarmos globalização como um conceito neutro, nem positivo nem negativo, que simplesmente acontece. Eu noto principalmente nos meus contatos de internet que pessoas em Bagdá, por exemplo, sabem muito bem o que estamos produzindo em Colônia, por isso acho que posso ir a diversos lugares do mundo e encontrar pessoas que me entendem.
Mas, ao mesmo tempo, gosto de encontrar diferenças regionais dentro desta linguagem supra-regional. Não que a música eletrônica que venha do Brasil tenha que ser uma espécie de samba eletrônico. Eu me divirto muito em observar as diferenças entre os sons e as pessoas pelo mundo e utilizá-las nas minhas viagens quando faço música.
O público é diferente de país para país?
Existem diferenças de mentalidade. Na Rússia, o público gosta de se esbaldar em um ritmo truncado, em uma música forte. O Brasil é um país cheio de ritmo, lá se pode tocar música bonita, não necessariamente suave e melódica, mas bonita. Já o Líbano que eu conheço é bastante ocidental, cristão, hedonista e bastante moderno. Para mim, tocar em Beirute é como tocar em Barcelona.
Você acompanha os acontecimentos no Líbano?
Sim, diariamente e bem de perto através de amigos que lá estão. Eles estão todos desesperados. O Líbano é um país lindo, com clubes, praias e boa comida. É uma pena, eu mesmo tinha pensado em passar férias lá. Nunca houve tantas reservas como neste verão e agora tudo está destruído novamente. Destruir o aeroporto não faz sentido, eu não acredito que o Hisbolá transporte armas em grande estilo pelo aeroporto de Beirute. Foram necessários 16 anos para reconstruir o país, e agora isso.
Você faz som no mundo todo e para todo tipo de público e tem-se a impressão de que você o respeita muito. Este é o segredo, dar ao público o que ele quer?
Sou um pouco como um médico, um padre ou uma dominadora. Quem vem para a minha "missa" ou "visita", eu trato de forma que tenha uma experiência bastante especial, e os meios para tal são os mais diversos. Quando jovem, eu era muito mais sectário quanto ao estilo musical, agora sou bem mais relaxado. Categorias são aborrecidas. Para mim, hoje tudo é música.
Você quer levar o público ao orgasmo?
Não, quero levá-lo a uma transcendência.
Além de fazer som, por que um DJ escreve livros?
Isto é um pouco subversivo. Eu quero desmontar preconceitos e acho muito importante que a cultura de clube seja política. Eu estou consciente de que a maioria das pessoas que vai a festas tecno não lê sobre política nem assiste ao noticiário sobre a crise do Oriente Médio, mas elas lêem os meus livros. Acho importante transmitir informação política, usando como pretexto um inocente livro de DJ.
Pai de dois filhos, Hans Nieswandt nasceu em 1964 em Mannheim e vive atualmente em Colônia. Seu livro Disko Ramallah e outros lugares curiosos para se fazer som foi lançado em 2006 pela editora coloniana Kiepenheuer & Witsch.