Joschka Fischer
25 de maio de 2011Anúncio
Diz-se que o cargo modifica a pessoa. E o ex-ministro do Exterior da Alemanha, Joschka Fischer, foi um excelente exemplo disso. Durante um bom tempo, ele foi o político preferido do país. Porém no fim do mandato tornou-se quase insuportável, tão pomposo se postava diante das câmeras de TV, cada palavra seguida por um longo "eh...", como sempre fosse o caso de se explicar o mundo.
Agora, acaba de sair na Alemanha um documentário sobre ele: Joschka und Herr Fischer (Joschka e o Senhor Fischer). O tiro poderia ter saído pela culatra, mas, em vez disso, o documentário transformou-se numa bem-sucedida aventura cinematográfica.
Parte do mérito cabe ao próprio Fischer, que se apresenta eloquente, relaxado e sofisticado – uma circunstância que também se deve ao diretor Pepe Danquart. Este refletiu longamente sobre como retratar um homem que parece já ter dito tudo, e que todos pensam conhecer perfeitamente.
Cenário fílmico
Danquart escolheu um recurso inusitado, ao colocar Joschka Fischer numa sala espaçosa e antiga, uma mistura de galpão industrial e salão de museu. Em diversos telões de vidro, o ex-político assiste a um total de 24 fragmentos da própria vida, incluindo bastante material cinematográfico inédito.
Fischer vê imagens de sua cidade natal, Langenburg, em Baden-Württemberg, sul da Alemanha, reconhece o padre, se vê como sacristão. Seus pais eram alemães de origem húngara, católicos e conservadores. Porém logo a província se tornou opressiva demais para ele. Com o segundo grau inconcluso, a formação de fotógrafo interrompida, ele parte em 1968 para Frankfurt. Lá começa sua carreira política, nos protestos de rua contra a Guerra do Vietnã.
Muitas vezes Danquart faz uma pausa nesses momentos, deixa Fischer falar, por exemplo, sobre Jimi Hendrix, cuja interpretação do hino nacional norte-americano soa como um bombardeio sobre o Vietnã.
"Posicionei Joschka Fischer nesse espaço fílmico simplesmente porque isso desencadeia outras emoções", explica o diretor. "De repente ele viu essas imagens que o comoveram, como também toda nossa geração. A Guerra do Vietnã, a cultura pop, a cultura jovem com os Beatles, Bob Dylan, o rock e até mesmo o punk. Tudo isso influenciou seu pensamento político e se refletiu em sua biografia."
Táxi e realismo político
O Vietnã e as manifestações contra a guerra aguçam a consciência política de Fischer. Ele, que pensava que "os americanos sempre eram os bons", modifica sua visão. E as reações da população alemã aos protestos de rua completam o processo.
"'Vão então para o outro lado!', era a forma mais branda. 'Vocês deviam estar no campo de trabalhos forçados!', a forma mediana. E: 'O lugar de vocês é na câmara de gás', era a forma mais extrema – que se ouvia com muita frequência", relata Fischer.
Ele relembra e comenta, complementa as imagens com anedotas e sorri maliciosamente. Sobretudo analisa por que as circunstâncias eram como eram, por vezes irônico, frequentemente reflexivo, sempre elucidativo. Como quando fala da fase como motorista de táxi, no início da década de 80.
"Foi uma boa oportunidade de cruzar Frankfurt e a região dos rios Reno e Meno e refletir sobre muitas coisas sem me engajar ativamente." No confronto com "tudo o que compõe a existência humana" – de bêbados vomitando em seu carro às enfermeiras da emergência hospitalar –, essa é a época que o transforma em realista, diz.
Em 1983 Daniel Cohn-Bendit o convence a se filiar aos verdes. Apesar da resistência inicial, Joschka Fischer é eleito, naquela mesmo ano, deputado do Parlamento alemão.
Sinceridade tocante
Dois anos mais tarde já lhe é oferecido o próximo emprego, como secretário de Meio Ambiente do estado de Hessen. Na qualidade de primeiro secretário verde da história da Alemanha, ele assume o cargo trajando sapatos tênis. Embora as imagens da época tenham adquirido status cult, Fischer explica que a decisão não fora sua, e sim do partido, que desejava um sinal simbólico para o início da nova época.
Mas, atrás das portas de seu escritório, o político se sentia péssimo. "Fiz errado tudo o que se pode fazer errado. Não sabia como se governa, não tinha ideia dos conteúdos nem da administração, não conhecia a política estadual. A maioria do partido estava contra mim. E aí veio Tchernobil: eu estava arrasado."
Esses são os momentos mais admiráveis do filme: sem rodeios, Fischer fala de suas fraquezas, mostra com que ingenuidade vários membros do Partido Verde exigiam dele decisões que juridicamente não lhe cabiam. Ou como lhe foi embaraçoso "ter que participar" das manifestações com uma árvore na mão, seguindo as determinações do partido.
Alemanha se torna adulta
Ao formar com Gerhard Schröder a primeira coalizão de governo federal verde-social-democrata, em 1998, Joschka Fischer se viu diante da mais difícil decisão de sua vida. A contragosto, ele reconhecia que a guerra da Iugoslávia, com suas expulsões e genocídios, tinha que acabar através de uma intervenção militar da Otan.
Na histórica foto da vitória eleitoral, Fischer tem uma expressão acabrunhada. Ele recorda no filme: "Eu via a decisão de guerra chegar em nossa direção. Eu ainda não sabia como meu partido iria resistir a isso. Estava cheio de preocupações e a minha cabeça cheia do que estava por vir. Não tinha um sentimento de: 'Oba, conseguimos!'."
Joschka und Herr Fischer não trata, em primeira linha, de seu protagonista, mas sim da geração 68. Uma geração que primeiro levou sua cólera às ruas, depois canalizou-a, formulou ideais sociais e colaborou decisivamente para que a Alemanha se tornasse adulta. Um grande filme.
Autor: Bernd Sobolla (av)
Revisão: Carlos Albuquerque
Revisão: Carlos Albuquerque
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