Egípcios desafiam toque de recolher e mantêm protestos contra o governo
29 de janeiro de 2013Manifestantes irados, policiais armados, batalhas nas ruas. As imagens de televisão evocam lembranças daquele fevereiro de 2011. Na ocasião, milhares de egípcios pediram a queda do regime – e não cederam até que o ditador Hosni Mubarak deixasse o poder. Agora, algumas das cenas parecem se repetir. Mas desta vez não é Mubarak que está à frente do Estado, mas Mohammed Morsi. E ele pretende permanecer no comando.
Em resposta aos tumultos que provocaram diversas mortes nos últimos dias, Morsi decretou estado de emergência em três cidades do Canal de Suez. Para restaurar a paz no país, ele anunciou na segunda-feira (28/01) querer aumentar o emprego de forças militares.
Até as próximas eleições parlamentares, o Exército irá assumir também tarefas policiais. Um desenvolvimento observado com grande preocupação por seus adversários, já que essas medidas lembram a arbitrariedade praticada por Hosni Mubarak – motivo pelo qual os manifestantes voltam às ruas.
Os adversários de Morsi unem-se principalmente em torno de um ponto: o desejo de um Estado que mantenha certa distância da religião. "Os oposicionistas não querem que o Estado e a sociedade sejam dominados pelo Islã – da forma como ele é compreendido pelos islamistas", disse Gudrun Krämer, professora de estudos islâmicos na Universidade Livre de Berlim. "Isso não quer dizer que eles sejam secularistas ou muçulmanos não praticantes."
Grandes expectativas face a políticos
Entre os adversários de Morsi, Krämer distingue duas correntes principais. Uma engloba um grupo em torno do ex-candidato presidencial Hamdin Sabahy, que rejeita um Estado islâmico, defende certo grau de separação entre Estado e religião e exige uma política de bem-estar social. Um segundo grupo de oposicionistas rejeita, da mesma forma, uma islamização da sociedade, mas também exige a solução dos problemas econômicos e demanda participação.
"Muitos egípcios são bastante engajados", disse Elizabeth Iskander, especialista em Egito no Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga, na sigla em inglês), em Hamburgo. "Isso também significa que eles esperam muito de seus políticos. Eles querem ser escutados. Morsi tem uma difícil tarefa pela frente, e não importa o que ele faça: eu não acredito que a maioria venha a dizer um dia que ele teve êxito."
Insatisfação com o presidente
Embora Morsi possa contar com o apoio da Irmandade Muçulmana, à qual pertenceu durante muito tempo e a quem deve seu sucesso nas eleições, dentro da própria Irmandade há diferentes correntes, e nem todas concordam com a política governamental do presidente.
Isso é válido particularmente para a oposição. "Aqueles que se consideram como os verdadeiros herdeiros do movimento revolucionário sentem-se traídos", disse Krämer. "Eles acreditam ser marginalizados, e eles o são: numericamente, são uma minoria da população egípcia. Eles querem dar continuidade à revolução, para tentar conquistar a confiança da maioria e dar uma nova direção menos islamistas ao governo."
Rejeição ao diálogo
Também por esse motivo, a oposição rejeita a oferta de Morsi para dialogar. "Antes que o presidente assuma a responsabilidade pelos recentes derramamentos de sangue, prometa um governo de salvação nacional e forme uma comissão independente para emendar a Constituição, todo e qualquer diálogo é perda de tempo", afirmou o Prêmio Nobel da Paz Mohammed El-Baradei pelo Twitter. Ele é um dos principais líderes da oposição no Egito.
"Muitos daqueles que estão na política agora – seja no lado do governo, seja na oposição – não têm um caráter pragmático, eles lutam pelo poder", avalia Krämer. Ela disse que as maiores diferenças entre governo e oposição estão na valorização da religião na cultura e na sociedade. No entanto, em muitos pontos da política externa e econômica e também em determinadas áreas da política social, haveria muito em comum os dois lados.
Poucas personalidades pragmáticas
"Se estivéssemos diante de personalidades que pensam e atuam de forma pragmática, seria perfeitamente possível chegar a um governo de unidade nacional e ao trabalho conjunto em alguns pontos", disse a professora da Universidade Livre de Berlim.
Para tanto, Morsi teria que conseguir estabilizar a atual situação no país. Por enquanto, o estabelecimento do estado de emergência em diversas cidades e a expansão das competências dos militares parecem ter o efeito oposto.
Autora: Anne Allmeling (ca)
Revisão: Francis França