Eleições regionais russas escancaram fracasso da democracia
12 de setembro de 2023Os resultados das eleições regionais na Rússia e no território ucraniano ocupado por tropas russas deveriam ser vistos como uma demonstração de força do Kremlin e do partido Rússia Unida.
Apesar da guerra e das sanções ocidentais, o governista Rússia Unida venceu quase todos os pleitos para os governos das províncias. O partido, uma importante base de apoio do presidente Vladimir Putin, também alega ter conquistado 70% dos votos dos eleitores nas regiões ocupadas na Ucrânia, que o Kremlin reivindica como sendo território russo.
Na capital, Moscou, o atual prefeito, Serguei Sobyanin, aliado de Putin, conquistou 76% dos votos. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que os resultados "confirmam da maneira mais vívida a absoluta consolidação da sociedade em torno da liderança do país".
Mas, muitos dentro e fora da Rússia não se surpreenderam. Eles acusam o Kremlin de desvirtuar o resultado ao excluir os candidatos da oposição, obstruir o trabalho dos observadores e influenciar o processo eleitoral.
"Situação absurda"
A entidade independente de monitoramento eleitoral Golos afirmou à DW ter recebido 1.100 relatos de irregularidades, que inclui questões envolvendo o notório sistema russo de votação online. Em pelo menos um dos casos, observadores eleitorais da oposição receberam documentos de alistamento militar, conta o copresidente da Golos, Stanislav Andreychuk.
Ele condenou o uso de violência contra alguns candidatos, observadores, jornalistas e até eleitores: "A polícia tomou parte nisso", afirmou. "Se um observador ou repórter reclamava que estava havendo preenchimento indevido de urnas [...] ou alguma outra violação nos locais de votação, a polícia o prendia a pedido do chefe da mesma comissão que era alvo da reclamação. É uma situação absurda."
Andreychuk também acusou as autoridades de manipulação do voto, inclusive em Moscou, acrescentando que elas estão cada vez mais ousadas, "entendendo que, em geral, não haverá consequências nem punições, a não ser que sejam muito, muito azaradas".
Irregularidades
O representante do Golos descreveu algumas questões envolvendo o sistema eletrônico de votação, o qual define como uma caixa preta que entrega resultados impossíveis de serem verificados.
Quedas no sistema em algumas seções eleitorais de Moscou geraram discrepâncias entre o número de cédulas entregues e recebidas dos eleitores, levando as autoridades "simplesmente forjar" protocolos e manipular os dados.
Apesar de a chefe da Comissão Eleitoral russa, Ella Pamfilova, declarar que a votação ocorreu de forma "digna e limpa", para Andreychuk o ambiente na Rússia não permite eleições livres: "Não temos liberdade de reunião, liberdade de associação, liberdade de expressão; candidatos estão sendo barrados e presos. Nessa situação, simplesmente não é possível haver eleições democráticas."
Alemanha condena eleição de fachada
O governo alemão condenou as eleições regionais na Rússia, que classificou como "nem livre, nem justa": "O regime russo desmantelou sistematicamente a liberdade de expressão, de imprensa e de reunião nos últimos anos, passo a passo, de modo mais intenso após o início da invasão da Ucrânia", disse o porta-voz do Ministério alemão do Exterior, Sebastian Fischer.
"O espaço público na Rússia é dominado pela censura, propaganda, desinformação, e muitos dos candidatos que criticavam as políticas do governo ou até mesmo a invasão da Ucrânia não tiveram permissão para participar das eleições."
Fischer também descartou a votação nas áreas ocupadas pelos russos no território da Ucrânia, afirmando que Berlim jamais reconhecerá eleições de fachada em solo ucraniano.
Oposição sistêmica perde apoio
Para o cientista político Nikolai Petrov, pesquisador do Instituto Alemão para Temas Internacionais e de Segurança, ainda há lições a serem aprendidas dessa votação mais recente.
Ele destaca que partidos de "oposição sistêmica", como o Rússia Justa e o Partido Comunista da Federação Russa, perderam apoio. Essas legendas não estão oficialmente no poder, mas apoiam em grande parte o presidente Putin e sua política externa.
Petrov explica que, após a repressão de Putin aos dissidentes, esses partidos "perderam significado aos olhos de grande parte do eleitorado, uma vez que estão, de qualquer modo, proibidos de criticar o Kremlin": "Se eles surgem com os mesmos slogans de campanha que o Kremlin utiliza, então a questão será: porque precisamos desse tipo de oposição?"
O cientista político, no entanto, também destaca que o Rússia Unida sofreu um revés contra o Partido Comunista na região siberiana de Khakassia, onde o governador de 35 anos, Valentin Konovalov, conseguiu assegurar sua reeleição, apesar de ser alvo de uma campanha do Kremlin.
Seu rival, o candidato do Rússia Unida, desistiu no último minuto, alegando questões de saúde, evitando um vexame para o Kremlin, diz Petrov. A estratégia de Moscou era, aparentemente, evitar de toda maneira novos escândalos e, discretamente, sondar o ambiente eleitoral antes das eleições de 2024.
Reeleição de Putin
É amplamente esperado que o presidente russo, de 71 anos, vá concorrer a mais uma mandato e utilizar sua atual aderência ao poder para ficar no cargo por mais seis anos.
Ele se tornou presidente pela primeira vez em 2000, permanecendo por dois mandatos e sendo sucedido por seu aliado Dmitry Medvedev. Mesmo assim permaneceu no poder, ao assumir o cargo de primeiro-ministro.
A lei que impunha limites ao número de candidaturas foi rapidamente modificada, e Putin se elegeu à presidência em 2012. Em 2020, uma controversa reforma constitucional "reconfigurou" o limite, e teoricamente ele pode se manter no cargo até pelo menos 2036.
Putin já é o segundo mais longevo líder do Kremlin, ficando atrás somente do ex-líder soviético Joseph Stalin (1928-1953).