Eleições turcas abalam poder de Erdogan
8 de junho de 2015O resultado das eleições gerais de domingo (07/06) na Turquia implica que o presidente Recep Tayyip Erdogan e seu Partido pela Justiça e Desenvolvimento (AKP) ficaram decididamente aquém da meta de cimentar o seu predomínio na cena política do país.
Em vez do planejado sistema presidencialista, com Erdogan como governante supremo, o AKP agora terá que se esforçar por um consenso democrático em prol da estabilização política interna. Os conservadores islâmicos, o presidente e o premiê Ahmet Davutoglu terão que aceitar que chegaram ao fim os 13 anos de um mandato de maioria absoluta.
Nas próximas semanas, os jogos de cálculo serão inevitáveis. O AKP vai ter que buscar seus possíveis parceiros de coalizão entre três confiantes partidos de oposição. Se não o conseguir e se as legendas vencedoras não formarem um governo conjunto, não há alternativa, senão um governo de minoria do AKP, já com vista eleições antecipadas no terceiro trimestre.
Números eloquentes
Com pouco mais de 40% dos votos – uma perda de mais de 9% em relação à eleição de quatro anos atrás –, o indiscutível perdedor do pleito legislativo é o AKP. Em vez dos 327 assentos conquistados em 2011, os conservadores só contam agora com 258 das 550 vagas do Parlamento.
A futura coalizão governamental em Ancara precisa perfazer um total de 276 assentos parlamentares. Três partidos entram em consideração como parceiros do AKP: CHP, MHP e HDP.
Com 25% dos votos e 132 assentos, o Partido Popular Republicano (CHP) manteve o nível conquistado quatro anos atrás. Sob a liderança de Kemal Kiliçdaroglu, ele luta para reaver seu antigo predicado de "social-democrático", e poderia formar com o AKP uma grande coalizão.
No entanto ainda estão vivas demais as feridas da pesada campanha eleitoral, que envolveu insultos, mentiras e difamações. Lançando mão de graves injúrias, por exemplo, Erdogan ridicularizou publicamente seu adversário Kiliçdaroglu como um "diretor-geral" totalmente incapaz de governar. Uma coligação entre o AKP e o CHP comprometeria se seriamente o prestígio de ambos.
Na própria noite das eleições, o líder do direitista Partido do Movimento Nacionalista (MHP), Devlet Bahçeli, excluiu a possibilidade de uma coligação com o AKP, alegando ser totalmente avesso ao estilo de governança de Erdogan. Além disso, ele exigiu do conservador que se afaste do palco político, enquanto presidente, contentando-se com seu papel de representante neutro do Estado.
Durante o discurso de Bahçeli na central do MHP, em seguida às apurações, não se podia deixar de notar seu orgulho pelo fato de a legenda ter alcançado 16% dos votos – mais de três pontos percentuais acima dos resultados de 2011, elevando de 53 para 81 o número de seus deputados.
Além dos interesses curdos
Possível elemento decisivo no impasse, o curdo Partido Democrático dos Povos (HDP) se esforçou seriamente para ultrapassar o mínimo de 10% dos votos, garantindo seu ingresso no Parlamento.
Ele lucrou sobretudo com os eleitores "emprestados" de outras alas políticas, inclusive do AKP. Estes entenderam que a estreia parlamentar do HDP seria a única forma de evitar a hegemonia de Erdogan no país – membro da Otan, lar de 80 milhões de pessoas e que enfrenta questões sensíveis em política externa, entre as quais com a vizinhança direta Síria e Iraque.
O partido curdo conta com dois presidentes, Selahattin Demirtas e Figen Yüksekdag. Ambos estão cientes de que sua primeira representação em Ancara, com 79 deputados (13%), também poderá ser a última. Pré-condição para um êxito duradouro do HDP será ele não representar apenas os interesses dos curdos, oferecendo uma pátria política, à esquerda do centro, também aos turcos desfavorecidos pela política, economia e sociedade.
Frágil confiança
Até o momento, nenhum dos outros três partidos mais fortes se pronunciou a favor de uma coalizão com o HDP. O abismo entre turcos e curdos é ainda demasiado profundo: desde 1984, a guerra entre o Partido Trabalhista do Curdistão (PKK) e o Estado turco já custou 40 mil vidas, de ambos os lados.
Durante a campanha eleitoral, Erdogan e o AKP repetidamente acusaram o HDP de ser o longo braço político do PKK. O partido precisará também provar que não entra numa coalizão governamental tendo em vista a eventual libertação de Abdullah Öcalan, o líder do PKK encarcerado desde 1999.
É extremamente frágil o voto de confiança dado ao HDP pelos turcos que votaram nele com a intenção de dar fim à predominância do AKP. Como já se esperava, o retorno eleitoral nos territórios tradicionalmente curdos foi extremamente elevado, chegando até 86%. Mas esses números não devem fazer esquecer que o HDP só tem uma perspectiva de longo prazo enquanto alternativa de âmbito nacional às legendas estabelecidas. Do contrário, será bem breve a vida da bancada curda no Parlamento da Turquia.