Proposta de May ameaça dividir britânicos ainda mais
19 de abril de 2017Desde que Theresa May assumiu como primeira-ministra – depois de os britânicos terem votado pela saída da União Europeia, em 23 de junho de 2016, e David Cameron ter renunciado –, a possibilidade de eleições antecipadas vinha pairando no ar, mas May negava terminantemente que fosse essa sua intenção.
Em setembro, por exemplo, declarou: "Tenho sido bem clara de que acho que precisamos desse período de tempo, dessa estabilidade, para poder abordar as questões que o país está enfrentando, e ter aquela eleição em 2020." Até março, Downing Street continuava negando qualquer plano de antecipar o pleito.
O que mudou, então? Nos últimos meses, May tem esboçado sua visão de um Brexit "duro", com o Reino Unido não mantendo qualquer tipo de filiação parcial à União Europeia. Na declaração desta terça-feira (18/04), em que anunciou eleições gerais para 8 de junho, May deixou claro que procura assim consolidar o próprio mandato, a fim de executar essa tarefa, pois "neste momento de enorme significado nacional, deve haver unidade em Westminster".
As projeções sugerem que, graças à votação antecipada, a chefe de governo consiga aumentar significativamente sua maioria, atualmente pequena. O Partido Trabalhista se encontra em estado deplorável, devastado por conflitos internos e bloqueado pelas críticas a seu líder, Jeremy Corbyn. A média de todas as pesquisas de opinião atuais acusa 27% de apoio para os trabalhistas, contra 42% para os conservadores – o suficiente para garantir a May uma maioria substancial.
"O Partido Trabalhista está na maior confusão no posicionamento em relação ao Brexit", explica John Curtice, professor de política da Universidade de Strathclyde. "Há divisões dentro do Partido Conservador, mas a oposição está provavelmente ainda mais dividida nesse assunto, e [May] provavelmente aposta que, enquanto este permanecer o tema central, os trabalhistas não estarão em condições de defender uma posição alternativa eficaz."
Tática brilhante ou jogada cínica?
Alguns eleitores aplaudiram a decisão. "É uma tática brilhante da parte da primeira-ministra", avalia Matthew Brooke, engenheiro residente em Leeds que votou pela saída do Reino Unido da UE. "O Partido Trabalhista não oferece oposição séria. Todos os defensores do Brexit – muitos dos quais são eleitores dos trabalhistas, para ser bem justo – vão sair para votar e mostrar a aprovação deles."
O referendo pelo divórcio em relação à UE expôs fissuras profundas na sociedade britânica, e há apreensões de que a eleição antecipada acabe sendo, na prática, uma reedição da consulta popular de junho de 2016.
"Essa é uma jogada cínica da May, que claramente quer aumentar a própria maioria, de modo a impor um Brexit 'duro' e economicamente catastrófico, sem oposição ou com tão pouca quanto possível", é o veredicto de Zoe Lawrence, funcionária de uma organização beneficente em Londres.
"Ela fala de interesse nacional, mas não consigo ver que isto seja do interesse de ninguém, a não ser do Partido Conservador. Como podemos possivelmente justificar o custo e a agitação de um novo voto, tão logo depois do referendo?", completa.
A maioria dos britânicos concorda que a eleição provavelmente se transformará numa plataforma para um debate polarizado contínuo sobre imigração e o futuro do Reino Unido.
"Estamos encarando uma crise política na Irlanda do Norte, que tem sido basicamente ignorada pelos políticos em Westminster, e um novo apelo da Escócia pela independência", aponta o escritor Peter Franklin, de Belfast. "Parece francamente irresponsável realizar uma eleição neste contexto. Onde foi parar a necessidade de estabilidade?"
Aposta arriscada
Obviamente, como em qualquer eleição, May está fazendo uma aposta arriscada. Embora a posição trabalhista nas pesquisas seja terrível, muitos de seus parlamentares têm eleitorado firme, cuja probabilidade de votar pelos conservadores é mínima. Cabe ainda notar que, mesmo entre os eleitores conservadores, a opinião sobre o Brexit segue dividida.
"Devemos ter em mente que Theresa May está em grande parte apostando num 'votem conservador pela minha visão do Brexit', e isso talvez deixe descontentes alguns eleitores", especula o professor John Curtice. "Se essa vantagem se estreitar, talvez descubramos que ela vai sair com uma maioria um tanto menor do que está contando."
Os liberal-democratas, que atualmente ocupam apenas oito assentos no Parlamento, concorreram a diversas eleições parciais defendendo uma plataforma anti-Brexit e a necessidade de um segundo referendo. O líder do partido, Tim Farron, imediatamente divulgou um comunicado situando sua legenda como a opção anti-Brexit: "Se você quer evitar um desastroso Brexit duro. Se você quer manter o Reino Unido no mercado único. Se você quer um Reino Unido aberto, tolerante e unido, esta é a sua chance."
Alguns que votaram a favor da presença britânica na comunidade europeia veem a recente reviravolta como uma oportunidade. "Talvez consigamos redirecionar alguns assentos para candidatos inteiramente comprometidos com a permanência na UE", diz a administradora baseada em Edimburgo Aisha Hazaria.
"Claro que não vamos ganhar, mas há aqui a oportunidade de reabrir o debate e mudar o tom da resposta do Parlamento àquilo que, não tenho a menor dúvida, se tornarão negociações crescentemente desesperadas em torno do Brexit. Eu gostaria de ver alianças interpartidárias para esse fim. Vou fazer campanha pelos candidatos pró-permanência, não importa de que partido."