Eleições na Síria não mudarão em nada a situação, avaliam especialistas
4 de maio de 2012Nem mesmo as estatísticas expõem resultados seguros na Síria, no momento. Os 24 observadores das Nações Unidas que se encontram no país contribuem pelo menos para uma redução mínima da violência. Segundo Hivin Kako, do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, o número de mortos diminuiu um pouco desde a trégua estabelecida em 10 de abril. Os números, porém, continuam assustadores: o Observatório contabiliza em torno de 500 mortos desde o início da trégua.
No entanto, números relacionados à Síria no momento não são confiáveis. Enquanto o Observatório fala de aproximadamente 8 mil mortos desde o início dos conflitos no país, o Conselho Nacional Sírio aponta para mais de 14 mil. Não importando que número seja o correto, tudo indica que o regime de Bashar al-Assad não se deixa impressionar pela presença dos observadores da ONU. Desta forma, fica cada vez mais incerto o fim da violência no país, mesmo com a presença, em breve, dos cerca de 200 observadores.
Também a oposição passou agora a apostar mais em sua própria força militar do que na diplomacia dos emissários das Nações Unidas. Na última quarta-feira (02/05), desertores atraíram uma tropa das Forças Armadas sírias a uma emboscada e mataram 22 soldados.
No dia seguinte, o jornalista e crítico do regime, Fais Sara, de 62 anos, relatou que seus dois filhos haviam sido levados de suas casas de madrugada por homens armados. Ele não sabia dizer se o regime queria adverti-lo ou se a ação era parte de uma onda maior de violência no país.
Eleições parlamentares: uma farsa
Há poucos indícios, no momento, de que o regime esteja cogitando seriamente cumprir o Plano de Seis Pontos sugerido pelo enviado especial da ONU e da Liga Árabe, Kofi Annan. Da mesma forma é questionável se as eleições parlamentares agendadas para a próxima segunda-feira (7/05) podem ser vistas como a expressão de uma real vontade de mudar a situação no país ou pelo menos como o sinal de uma concessão política mínima.
Hivin Kako acredita que as eleições sejam uma farsa. "Como os eleitores deverão ir às urnas em meio ao avanço dos conflitos?", questiona. Segundo o representante do Observatório, não é possível haver eleições democráticas em um país nesta situação. Kako lembra que nenhum dos pré-requisitos para o pleito existe. "Primeiro as Forças Armadas teriam que retornar às casernas. Depois, as pessoas teriam que poder votar em um ambiente adequado", diz ele.
Rachid Ouaissa, cientista político da Universidade de Marburg, também duvida da vontade do regime de cumprir o programa do plano de Annan. "O plano desencadeou reações violentas da oposição. Neste contexto, o regime saiu ganhando, podendo demonstrar através de pequenas manobras táticas que está aberto a negociações", diz Ouaissa. Tudo isso, segundo ele, lembra muito a política nuclear iraniana. Teerã demonstra cada vez mais disponibilidade de falar sobre o assunto – com o objetivo de evitar reações mais sérias do exterior.
Pragmatismo necessário
Apesar disso, a missão da ONU na Síria é a única esperança, explica Kako Hivin, por ser a única chance de cessar com o derramamento de sangue no país. Isso só pode ocorrer, diz ele, se a comunidade internacional mantiver a pressão sobre o regime de Assad. "Só assim Assad estará disposto a deixar suas eternas desculpas de lado e aceitar tanto a trégua quanto outros pontos do plano de Annan", completa.
Para o especialista Rachid Ouaissa, é preciso ter boas doses de pragmatismo no trato com o regime de Assad, uma característica, inclusive, da missão de Kofi Annan no país. "Ela não foi de todo ineficaz, pois, a partir do momento em que o regime recebe Annan, já se pode falar em um ponto positivo", avalia Ouaissa.
Além disso, o diplomata fez exigências muito moderadas, como por exemplo uma trégua. Uma medida que poderia ser tomada a qualquer momento pelo regime, caso houvesse vontade para tal. O cientista político desaconselha outras exigências. "Estas não seriam realistas, como a troca imediata de poder no país".
Boa fama arruinada
Aconselha-se ter paciência, mesmo porque o regime perde cada vez mais apoio. Nestas alturas, o governo de Assad já perdeu muito de sua boa fama entre a população dos países árabes. Algo que demorou muito para acontecer, como salienta o diário árabe Al Sharq al Ausat. Por muito tempo, o mundo árabe simpatizou com a retórica afiada de Assad contra Israel e viu no líder sírio um aliado na luta contra a política ocidental, considerada inimiga.
Agora, a perpetuação da violência no país contribuiu para a perda da confiabilidade no governante sírio. A maioria dos árabes não espera mais nada de Assad ou de seu governo. Segundo o jornal, até a política rigorosa da Síria em relação ao Líbano passou a ser vista de maneira diferente pelos países vizinhos.
No entanto, nada disso ajuda muito a oposição síria. Ouaissa acha plausível a reação da oposição de partir para o conflito armado, embora esta decisão traga consigo sérios perigos. "A partir do momento em que a oposição faz uso de violência, ela não tem mais chance, pois os militares são muito superiores em termos de armamento e treinamento. Caso ela se deixe levar pela violência, poderia haver uma guerra nas cidades, embora esta não pudesse ser vencida nem pelo melhor Exército do mundo", completa Ouaissa.
A situação lembra a Argélia no início dos anos 1990, compara. "Naquela época, a Frente Sagrada Islâmica foi da mesma forma levada à prática da violência. O resultado foi uma guerra nas cidades, que perdurou por 10 anos e custou a vida de 200 mil pessoas", recorda.
Sírios não confiam nos observadores
Os observadores da ONU encontram-se sem dúvida alguma em uma situação difícil, com poucas perspectivas de sucesso a curto prazo. As pessoas continuam sendo assassinadas, o que faz com que a população perca também a confiança na missão das Nações Unidas. Segundo relatos na mídia, as oportunidades de conversar com os observadores são poucas. Além disso, isso implica riscos.
Quem buscar o contato com os observadores da ONU estará arriscando ser preso pelo serviço secreto sírio ou até mesmo morto. Ou seja, o futuro do país parece sombrio. A pseudoeleição do momento não conseguirá mudar este cenário. E nem a trégua, que de fato inexiste no país.
Autor: Kersten Knipp (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer