Riqueza sem fim
24 de fevereiro de 2011Há muita especulação em torno da fortuna acumulada pela família de Muammar Kadafi. O patrimônio do ditador líbio – que governa há 42 anos um dos países mais ricos em petróleo – é desconhecido, assim como o dinheiro que ele mantém no exterior.
Nesta terça-feira (22/02), o jornal britânico The Guardian afirmou que existe uma "lacuna de bilhões" nas contas públicas da Líbia quando se comparam os gastos do Estado com os rendimentos oriundos da exploração de petróleo e gás. A publicação acredita que os petrodólares não gastos pelo governo compõem a maior parte do patrimônio de Kadafi.
Mas o jornal não sabe calcular o valor exato desse patrimônio. Segundo uma fonte não identificada, a família Kadafi teria bilhões de dólares numa conta secreta em Dubai e provavelmente também em outros países do Golfo Pérsico e do sudeste asiático.
Por meio dos despachos diplomáticos norte-americanos divulgados pelo WikiLeaks, o jornal Financial Times diz ter descoberto que Kadafi construiu um "império de dinheiro", pelo qual os filhos dele estariam brigando.
A inexistência de dados sobre o patrimônio do ditador se deve principalmente ao fato de, na Líbia, as finanças públicas nem sempre terem sido separadas do patrimônio pessoal de Kadafi. Segundo o cientista político líbio Assanoussi Albseikri, o líder e sua família lidam com o dinheiro do Estado como se fosse patrimônio deles.
"Os altos funcionários do governo são nomeados diretamente pelo próprio Kadafi. Foi o que ele fez, por exemplo, com o chefe do Banco Central, que é absolutamente fiel a ele", detalha Albseikri.
O especialista diz ainda que os funcionários são diretamente controlados por Kadafi, e que são proibidos de questionar o que é feito com o dinheiro público. "Eles são basicamente cúmplices de Kadafi, que controla a riqueza do país e decide quanto será gasto e onde", diz Albseikri.
Riqueza sem fim
A maneira de governar de Kadafi leva o Financial Times a questionar se algum dia as finanças do presidente líbio e as do Estado chegaram a ser registradas de forma separada.
A maior parte do dinheiro da Líbia vem da exploração de gás e petróleo. Em 2010, o país produziu 2,6 milhões de barris de petróleo por dia, o que corresponde a 2% da produção mundial diária. Os ingressos com o negócio chegaram a 45 bilhões de dólares no ano passado. Segundo informações da National Oil Corporation, no ano anterior a Líbia havia produzido 1,6 milhão de barris por dia e arrecadado 35 bilhões de dólares.
O advogado líbio Alhadi Schallouf, membro do Tribunal Internacional de Haia, calcula que os ganhos do Estado com petróleo e gás somam algumas centenas de bilhões de dólares desde 1969 e que a metade dessa quantia teria ido direto para as contas bancárias de Kadafi e seus filhos.
Segundo Schallouf, Kadafi teria uma conta extra para o dinheiro proveniente do petróleo. "Os rumores de que Kadafi teria 82 bilhões de dólares são falsos. Esses números são na verdade dos anos 90. A quantia real deve muito maior."
Mas o oposicionista líbio Mohammad Abdelmalek calcula que o patrimônio do ditador chegue a 80 bilhões de dólares, e o da família dele, a 150 bilhões. "Os ingressos do Estado vão direto para os bolsos da família. O cidadão comum nunca ganhou nada", afirma Abdelmalek.
É mentira a afirmação de Kadafi de que a receita do Estado seria empregada no bem-estar da população, afirma Abdelmalek. Segundo Schallouf, em vez de usar o dinheiro em benefício da população, Kadafi financiou mercenários e exércitos para proteger o próprio regime.
Dinheiro para o terrorismo
Segundo observadores, os mercenários africanos que provavelmente foram contratados por Kadafi para combater os manifestantes são ligados a grupos rebeldes do continente. "Kadafi já apoiou muitos grupos terroristas, como o IRA, na Irlanda, e outros grupos na Itália e no Chade", afirma Adbelmalek.
Oposicionistas na Líbia exigem agora o congelamento das contas de Kadafi no exterior, como aconteceu com os ex-ditadores da Tunísia e do Egito.
A Líbia é a terceira maior produtora de petróleo da África. As reservas do país são estimadas em 45 bilhões de barris de petróleo e 1,5 trilhão de metros cúbicos de gás – a quarta maior do continente.
Em 2006, Kadafi fundou a Autoridade Líbia de Investimentos (LIA), uma espécie de fundo estatal que, até agora, teria investido mais de 60 bilhões de dólares em projetos fora do país. A LIA aplicou dinheiro em bancos, jornais, clubes esportivos e na indústria automobilística.
O The Guardian afirma que a Líbia detém 7,5% do setor bancário italiano, allém de 2,6% da Fiat e 7,5% do clube de futebol Juventus. O próprio Kadafi, segundo o Financial Times, teria investido 21,9 milhões de dólares num hotel em L'Aquila, cidade italiana que sofreu com um forte terremoto em 2009.
Autores: Youcef Boufidjeline / Nader Alsaras (np)
Revisão: Alexandre Schossler