Em cem dias, Francisco impôs novo estilo na Igreja Católica
21 de junho de 2013Passados cem dias da sua entronização, o papa Francisco ainda não se mudou para as suntuosas dependências do palácio apostólico na Praça de São Pedro. Ele continua morando nas acomodações mais modestas da Casa Santa Marta, uma decisão cujo significado é maior do que pode parecer.
O pontífice afirmou que prefere estar próximo das pessoas, e que o palácio o deixaria isolado. Francisco também se referiu a Jesus como o mestre dos pobres.
Há cem dias, era inimaginável que o Vaticano fosse escolher um Papa que pudesse romper com protocolos e tradições da Igreja Católica. Quem dissesse isso poderia ser chamado de maluco, ou até mesmo de militante e crítico da Igreja.
Logo após a eleição papal circulou o rumor de que Francisco teria dito umas poucas palavras emblemáticas de seu pontificado: "o carnaval acabou". A frase seria uma referência não apenas às pesadas vestimentas bordadas ou aos caros sapatos vermelhos utilizados pelo seu antecessor, tampouco era uma crítica a Bento 16. Seria simplesmente o anúncio de um novo período de sobriedade no Vaticano.
Em sua primeira aparição pública, há cem dias, Francisco disse que vinha "quase do fim do mundo". Ele, de fato, é um estranho no ninho para parte da Cúria Romana, e tem uma visão bem diferente do que é o ofício de Papa.
Além da proximidade às pessoas, há também a escolha do nome Francisco. Ele expressa mais do que simplicidade na aparência ou opção pelos pobres. Francisco de Assis, o santo que serviu de inspiração para o nome do novo Papa, foi, a seu modo, um imprevisível revolucionário no início do século 13.
Uma perspectiva peculiar
Aos poucos, o foco passou do externo para o interno, das aparências para o conteúdo das declarações. E, assim, o novo Papa defendeu uma reforma do sistema econômico global e criticou excessos do mercado financeiro. Criticou também o culto à riqueza, o consumismo e a "cultura do desperdício".
Também chamou a atenção o seu pronunciamento por uma volta à essência da mensagem do Cristianismo. A Igreja Católica representa o Deus que se fez homem e o "escândalo da cruz" e não deve se deixar seduzir pelo discurso dos "encantadores de serpente".
Diferentemente de seus antecessores, Francisco procura observar o mundo da perspectiva das pessoas, na melhor tradição latino-americana. Além disso, como jesuíta, conhece bem outras tradições e sistemas teológicos. Esse estilo caracteriza também os seus sermões. Recheados de referências bíblicas, eles soam devotos e cheios de vivacidade, incluindo também anedotas improvisadas.
Passados cem dias do novo pontificado está claro que muita coisa vai mudar no sistema da Igreja Católica e na sua representação externa. Mas até onde essa mudança vai, ainda não é possível saber. Pontos importantes para muitos europeus, como um papel mais atuante para as mulheres na Igreja e o fim do celibato, provavelmente não farão parte das mudanças.
O novo e o velho
Entre as imagens marcantes das primeiras semanas do novo pontificado estão os dois encontros do papa Francisco com o seu antecessor, Bento 16. Até então era inimaginável ver um Papa se reunindo com seu antecessor, orando com ele e conversando.
As expectativas de uma reforma da enferrujada estrutura da Cúria Romana permanecem. Hoje esse aparelho trabalha sem coordenação e muitas vezes contra si mesmo. Os escândalos do Vatileaks e do Banco do Vaticano viraram símbolos desse sistema moroso.
Há alguns dias, o Papa abordou esses problemas numa conversa reservada com religiosos da América Latina. Ele reclamou de corrupção, falou sobre a existência de grupos restauracionistas e "panteístas" e até mencionou a existência de um "lobby gay" no Vaticano.
O pontífice lembrou que, nos dias que antecederam o mais recente conclave, muitos cardeais haviam pressionado por uma reforma da cúria.
Reformas
Francisco optou por um caminho bem próprio para as mudanças. Em abril, criou uma comissão composta por oito cardeais, de todos os continentes, para lidar com a reforma da estrutura de poder do Vaticano.
O painel, liderado pelo cardeal hondurenho Oscar Rodriguez Maradiaga, conta com apenas um cardeal da Cúria Romana. A primeira reunião, em outubro próximo, vai mostrar de forma mais clara para onde o novo pontífice almeja conduzir a reforma da Igreja e do Vaticano.
Ainda é incerto se o papa Francisco conseguirá de fato promover as mudanças que deseja. Mas, aos 76 anos, ele tem diante de si um longo papado e tempo suficiente para implementar as reformas.