Em "Watergate polonês", oposição foi espionada com Pegasus
5 de janeiro de 2022Em julho de 2021, um consórcio internacional de jornalistas publicou os resultados de uma investigação revelando como o spyware israelense Pegasus foi usado por uma série de países autocráticos como Azerbaijão, Arábia Saudita, Ruanda e Marrocos para espionar políticos, correspondentes e ativistas de direitos humanos. O único país europeu que supostamente utilizou o programa foi a Hungria.
Mais de meio ano depois, estão vindo à tona detalhes que sugerem que o atual governo polonês, liderado pelo partido Lei e Justiça (PiS), pode estar mergulhado num escândalo próprio relacionado ao Pegasus. O grupo populista de direita é notório por simpatizar com o premiê húngaro, Viktor Orbán.
Krzysztof Brejza, legislador integrante da legenda liberal Plataforma Cívica (PO), relatou, no fim de dezembro, que seu smartphone foi hackeado 33 vezes entre abril e outubro de 2019.
Nessa época, Brejza chefiou a equipe eleitoral de seu partido antes das eleições legislativas de 13 de outubro. Durante o período, a emissora pública polonesa TVP acusou o deputado de 38 anos de liderar uma campanha virulenta contra seus inimigos políticos, citando e-mails falsos para confirmar a acusação.
Brejza acha que o timing da acusação "não é coincidência" e que e-mails foram baixados de seu telefone durante esse tempo, tendo sido manipulados depois. Ele não foi o único político polonês vítima dos ataques de hackers: Roman Giertych, conhecido advogado oposicionista e ex-ministro do Interior, diz que seu telefone foi invadido 18 vezes.
Pistas de seis ataques de hackers entre junho e agosto de 2021 também foram detectadas no telefone da promotora polonesa Ewa Wrzosek, que criticou o governo polonês por seus planos controversos de implementar a votação por carta para a eleição presidencial de 2020, e que também trabalha para a oposicionista Associação de Promotores Poloneses Independentes "Lex Super Omnia".
O que é o Pegasus?
O software de espionagem Pegasus foi desenvolvido pela empresa de tecnologia israelense NSO. É vendido a países do mundo todo para auxiliar na luta contra o terrorismo e o crime organizado. O Pegasus é capaz de espionar iPhones e smartphones com sistema Android em tempo real, gravar conversas, registrar dados de localização e ativar câmeras secretamente.
Especialistas em computação dizem que não existe proteção contra esse tipo de software de espionagem.
Em maio do ano passado, uma reportagem do UOL apontou que o vereador Carlos Bolsonaro, segundo filho do presidente Jair Bolsonaro, teria participado de negociações para que o Ministério da Justiça adquirisse o sistema. À época, o vereador negou que estivesse envolvido em qualquer negociação.
Na ocasião, o Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil publicou texto em seu site dizendo que não havia "qualquer articulação, conforme cita a imprensa, entre" o Ministério "e o vereador Carlos Bolsonaro". "O Ministério reitera que o processo de licitação não tem como objeto de contratação a ferramenta Pegasus."
O deputado Krzysztof Brejza ficou sabendo que foi hackeado após a publicação de uma matéria da agência de notícias Associated Press. Já Ewa Wrzosek recebeu um alerta da empresa Apple. O Citizen Lab, um laboratório interdisciplinar sediado na Universidade de Toronto, Canadá, confirmou os ataques.
Figuras da oposição polonesa denominaram as ações de "Watergate Polonês", exigindo um inquérito parlamentar especial, por temer que eleições passadas possam ter sido comprometidas.
Governo nega saber dos ataques
O governo, por seu lado, diz não ter conhecimento de irregularidades. Ao falar com jornalistas no fim de 2021, o vice-ministro da Justiça, Michal Wos, afirmou: "Não sei de que sistema você está perguntando, não sei que sistema é esse", acrescentando que o ministro da Justiça e procurador-geral Zbigniew Ziobro tampouco tem conhecimento de qualquer medida de espionagem ilegal do tipo.
De fato, a Procuradoria-Geral tem mostrado desinteresse notório pelo assunto. O advogado do político opositor Brejza apresentou uma denúncia, mas nenhum processo foi iniciado até agora. Wrzosek, que também buscou iniciar uma ação legal, teve seu caso engavetado pelas autoridades, por suposta falta de provas.
No início de janeiro, o vice-ministro da Justiça minimizou o caso no Twitter, postando uma imagem de um controle da PlayStation com a seguinte legenda: "Este é o Pegasus que comprei nos anos 90."
Por sua vez, o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, afirmou que o escândalo de ataques de hackers a telefones pode ter sido obra de agências de inteligência internacionais, das quais "há muitas no mundo".
Acordo de alto nível
Contudo, uma série de documentos recém-descobertos lançou mais luz sobre o caso do spyware. Em 3 de dezembro de 2021, o diário de esquerda Gazeta Wyborcza revelou que, em julho de 2017, o premiê húngaro Viktor Orbán se encontrou com a então premiê polonesa, Beata Szydlo, e o ex-primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Segundo o jornal, nesse encontro foi tomada a decisão de comprar o Pegasus.
O governo teria tentado esconder a compra no valor de 25 milhões de zlótis (cerca de R$ 35 milhões) ao retirar o dinheiro de um fundo do Ministério da Justiça para vítimas de crimes, em vez de mandar a conta para o Departamento Central Anti-Corrupção.
Para viabilizar a compra, o Parlamento polonês precisou alterar o status do fundo. Segundo o jornal, o vice-ministro Wos submeteu o pedido ao comitê financeiro da Casa, mas os legisladores nunca foram informados de que os fundos estavam separados para comprar software de espionagem.
O próximo software
Aparentemente, Israel diminuiu de mais de 100 para 37 o número de países autorizados a usarem o Pegasus, e Hungria e Polônia estão entre os que tiveram a licença de uso revogada. A oposição polonesa, porém, duvida que isso acabará com o programa de espionagem.
"Nos próximos dias, vamos ser informados sobre os nomes e os números de telefones de mais vítimas de espionagem", acredita Grzegorz Schetyna, um dos fundadores da PO e ex-ministro do Interior e do Exterior.
Já o especialista em segurança Piotr Niemczyk aponta que outros programas de espionagem alternativos já estão no mercado. A empresa de cibersegurança israelense Cytrox, com sede na Macedônia, desenvolveu o Predator, um programa equivalente ao Pegasus.
Em 27 de dezembro último, o líder do PiS, vice-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski acalmou a população ao dizer que "estou brincando apenas pela metade quando digo que você deve usar um telefone como o meu: um aparelho velho e usado que grava vídeos quando sabe que botão apertar". Kaczynski é conhecido como profundamente cético em relação às tecnologias modernas.