Videoarte
9 de novembro de 2006Premiado em 2005 no Festival de Oberhausen por seu Man.Road.River, o jovem mineiro Marcellvs L. participou com untitle: rope da concorrência deste ano pelo prêmio de mídia Nam June Paik, concedido na Alemanha pela Fundação de Artes do Estado da Renânia
do Norte-Vestfália. Da mesma forma que seu trabalho anterior, untitle: rope exercita o olhar do espectador: a câmera continua imóvel, fixa ao tripé, e as interferências explícitas na imagem são reduzidas ao mínimo.
Realidade incômoda
Assim como em Man.Road.River (2004), que saiu premiado de Oberhausen, untitle: rope observa à distância uma situação enigmática e, logo, aberta à interpretação. O ponto de partida espartano é o que torna a obra peculiar e dialoga com o espectador, geralmente ávido pelo movimento e inicialmente entediado pelo que, à primeira vista, poderia ser uma simples imagem captada por uma câmera de vigilância "inerte".
Mesmo assim, garantem os curadores da mostra, o artista permite a criação de "pequenas histórias", recriando de maneira incômoda a realidade. "Trabalho a idéia de que os conceitos não existem prontos e acabados, é preciso fabricá-los, e eles se relacionam aos acontecimentos. Procuro relações entre circunstâncias captadas em sua eventualidade, em alguns momentos frustrantes, em outros surpreendentes”, diz o artista em entrevista à DW-WORLD.
Fluxo do tempo
Marcellvs carrega no próprio nome artístico um "v", provocando, com isso, um estranhamento inicial – "é simplesmente meu nome em latim”, explica. Na era da avalanche de imagens, opta pela falta de destreza na tela e aposta no acaso. Sua imagem-tempo (o artista tem trabalhos anteriores associados às teorias de Gilles Deleuze e Félix Guattari) exige do espectador paciência, atenção e pede a lentidão do olhar.
A partir daí, começa o espaço (e o tempo) para a liberdade de associações, que podem ser feitas a partir de uma corda, mantida em constante movimento sobre a água e aparentemente presa para além das margens da imagem. "Acredito que ao deixar que o tempo nos atravesse, nos module e nos recrie, afirmamos uma ética em relação à vida. No meu trabalho, tento observar, perceber, escutar, participar do fluxo do tempo, e assim construir uma política que, ao moldar, ou melhor, modular o tempo, estabelece uma estética”, comenta Marcellvs.
Questionando o espetáculo
Se o trabalho de Marcellvs prima pelo rigor formal e pela discussão sobre o tempo, a obra do espanhol Abu Ali*Toni Serra, vencedor do prêmio Nam June Paik deste ano entre os oito indicados, questiona o excesso de imagens, a simulação e o espetáculo por um viés praticamente oposto. O espaço ocupado pelo artista no Museu de Arte Aplicada de Colônia é composto por três projeções paralelas, que podem ser escolhidas e acessadas pelo espectador através do mouse.
Aí estão arquivados documentários pessoais, tais como Istishara, que significa em árabe "procurar um conselho" (o artista vive entre Barcelona e o Marrocos) e que acaba por dissolver conceitos como Leste e Oeste, sonho e realidade, vida e morte. Além dos Diários Babilônicos, constituídos pela revelação de sistemas norte-americanos de simulação e treinamento de guerra.
Identidades oscilantes
O trabalho de Serra traz à tona a independência da imagem antes que ela seja selecionada. "Imagens que existem, muitas vezes secretamente, entre elas várias que nunca chegaram a público, como os blocos temáticos sobre os sistemas de treinamento e simulação para a guerra", observa a curadoria.
Ao dispor um excesso de material (mecanismo oposto ao utilizado por Marcellvs L. em sua obra), Serra exerce a função de arquivista e revela ao espectador o que até então havia sido mantido em sigilo. "Seu projeto é anticolonialista, embora do ponto de vista de seu sujeito não seja nem subalterno nem senhor, mas um viajante constante entre os mundos, um shape shifter apátrida, um ser nebuloso com tantos nomes quanto identidades: Toni Serra, Abu Ali, Pierre Gambarotta, OVNI sister. Cada um, heterônimo dos outros". Alter egos com memórias distintas, prontas para serem descobertas.