Entre barroco e Bauhaus
23 de maio de 2003O edifício mais antigo do bulevar Unter den Linden, no centro de Berlim — o Zeughaus, construído entre 1675 e 1706 por diversos arquitetos, inclusive Andreas Schlüter — ganhou um apêndice programaticamente modernista. Entre o anexo novo, em forma triangular e o único edifício barroco original que restou em Berlim, uma torre de vidro e aço se espirala, acompanhando o movimento da escadaria.
O projeto do arquiteto sino-americano Ieoh Ming Pei tem o mérito de ser permeável, permitindo que o olhar circule: o Zeughaus pode ser visto de vários ângulos e, de dentro do novo anexo do Museu Histórico Alemão, é possível apreender o espaço urbano de perspectivas diferentes. O grande desafio de Pei, nascido em 1917 na China e residente desde 1935 nos EUA, foi inserir seu projeto monumental entre ruas estreitas, em meio a edifícios adjacentes tão representativos e marcantes como a Neue Wache e o Museu Antigo, de Karl Friedrich Schinkel.
"Muitos acham que ele é chamativo demais. Mas a idéia é essa aí mesmo, dar na vista. Todo arquiteto gosta que seu prédio seja visto", confessou I.M. Pei, em entrevista recente ao jornal Die Zeit, desmentindo que estivesse ignorando a história.
Mies de smoking, Gropius de gravata, Breuer de camiseta
O arquiteto atuante entre três continentes — América, Europa e Ásia — tem uma ligação especial com a tradição alemã. I.M. Pei, que emigrou em 1935 para os Estados Unidos, para estudar arquitetura, foi aluno de Walter Gropius, o fundador, e Marcel Breuer, o renovador da Bauhaus. Pei não chegou a ser discípulo de Gropius, identificando-se desde cedo mais com a arquitetura de Mies van der Rohe e Marcel Breuer, com o qual manteve amizade até sua morte, em 1981.
A obra de Pei nasceu sob a influência da Bauhaus, sem dúvida, mas o arquiteto busca romper constantemente a objetividade programática que reconhece nos precursores alemães. "O que me move é o desejo de fugir das malhas fixas", afirma I.M. Pei, cujo mestre declarado é Le Corbusier: "Seus edifícios têm algo de pessoal e vivo. Era isso que também me impressionava em Marcel Breuer, que era como um irmão para mim. O efeito da sua arquitetura era imediato e quente. Num prédio de Mies, a gente tem que vestir smoking, num de Gropius, gravata, mas um de Breuer dá para entrar de camiseta."
Para o arquiteto de 86 anos, que está trabalhando no futuro Museu de Arte Islâmica de Catar, o maior desafio ao profissional da área é possibilitar uma intervenção consciente da imaginação artística, sem se desviar do contexto da vida. De 25 de maio a 22 de setembro, o recém-inaugurado anexo do Museu Histórico de Berlim mostra duas exposições sobre a obra de I.M. Pei: Idéia Europa. Esboços pela Paz Eterna e I.M. Pei — Projetos de Museus.
De depósito de armas a reservatório histórico
Com o anexo de Pei, o Museu Histórico de Berlim ganha um espaço de exposições temporárias e um auditório, ao lado do acervo permanente. Com isso, finaliza-se o longo processo de criação de um museu histórico central, um plano que já existia antes da reunificação.
Em 1987, no oeste, o governo federal e a cidade-Estado de Berlim assinaram o compromisso de criação de um museu histórico, a ser construído nas imediações do Reichstag. No ano seguinte foi aberto um concurso público para arquitetos, do qual o italiano Aldo Rossi saiu vencedor.
A Alemanha Oriental, por sua vez, abrigava seu acervo histórico no Zeughaus, o edifício utilizado pelos prussianos como depósito de armamentos até 1876. Em 1990, o governo da RDA desistiu de continuar mantendo o Museu de História Alemã.
Com a reunificação e o plano de transferir a capital de Bonn para Berlim, o terreno previsto para a construção do museu, perto do Reichstag, foi destinado para a construção da nova Chancelaria Federal. O Zeughaus, ao lado da Ilha dos Museus, foi escolhido por fim como local de abrigo da memória histórica alemã.