Escolas se abrem para música experimental
26 de março de 2004Querklang (Som transversal) e Open your Ears (Abra seus ouvidos) são dois projetos de música e educação realizados com escolas de Berlim. Ao incorporá-los à sua programação, o festival de música contemporânea Maerzmusik, realizado de 18 a 28 de março, em Berlim, está divulgando entre um público amplo a contribuição de crianças e adolescentes à experimentação musical.
A idéia é abrir a sala de aula para um repertório e uma percepção musicais que raramente penetram o ensino regular. "O repertório só chega até Stravinsky", constata a compositora paulistana Silvia Ocougne, que participou do projeto Querklang, trabalhando durante quatro meses com uma classe de estudantes de 16 a 17 anos.
Som transversal, de viés: o nome já define bem a linha do projeto. O Querklang foi inspirado em projetos similares realizados na Inglaterra e na Áustria e trazidos para a Alemanha por Ursula Brandstätter e Daniel Ott, professores da Universidade das Artes (UdK) de Berlim.
A versão alemã do projeto, apresentada na Maerzmusik, envolveu cinco classes de diferentes faixas etárias. A equipe de trabalho era composta pelo professor de música da escola em questão, dois estudantes de pedagogia musical da Universidade das Artes e um compositor.
Língua-de-sogra e rock turco
O projeto desenvolvido por Silvia Ocougne com adolescentes de classe média alta da escola Droste-Hülshoff de Zehlendorf, um bairro nobre de Berlim, enfocou a observação do tempo. Por ocasião do grito de carnaval, tradicionalmente lançado na Alemanha no dia 11 de novembro às 11 horas e 11 minutos, os estudantes compuseram uma peça com línguas de sogra, após terem entrado em contato com um repertório de músicas de carnaval alemãs e brasileiras.
Depois a peça foi "adaptada" para instrumentos musicais. A idéia — explica Ocougne, cujo trabalho também está ligado ao aproveitamento de instrumentos preparados — era mostrar que o material sonoro não precisa necessariamente provir de instrumentos tradicionais. Esta foi apenas uma parte do trabalho, que também incluiu sondagens de espaços e o trabalho com notações experimentais de música.
O compositor curitibano Chico Mello, que também participou do projeto, trabalhou com uma classe de crianças de 11 a 12 anos, sobretudo turcas. Os próprios alunos se propuseram a explorar musicalmente o cotidiano da escola. "No primeiro dia, por exemplo, gravamos — sem que eles percebessem — os sons que faziam ao entrar na sala, e depois colocamos a gravação dizendo que era uma música diferente", descreve o compositor.
O experimento, que pretendia abrir a percepção das crianças para o fato de que tudo pode ser aproveitado musicalmente, culminou numa peça de 15 minutos com baixo e bateria, som de ferramentas, vozes e fragmentos de música pop, entre outras coisas.
Questionando estereótipos musicais
"A idéia era intervir o menos possivel", afirma Chico Mello. "Mas não deu para ser pouco intervencionista, pois percebemos que logo se instalou um mecanismo grupal e apareceram condutas musicais estereotipadas." Silvia Ocougne, por sua vez, pôde constatar que ainda é grande o preconceito contra a música experimental, sobretudo por falta de conhecimento.
Na sua opinião, projetos como o Querklang seriam capazes de interferir na formação musical escolar, se fossem desenvolvidos a longo prazo. Mas os primeiros sinais já fazem se sentir imediatamente, como revelou uma das alunas de Silvia Ocougne, que disse ter passado a apreender os sons de rua com uma atenção totalmente diferente.
Maerzmusik — música em março — é o nome do festival que sucedeu a Bienal de Música de Berlim. Ao lado da exposição MoMA in Berlin, o festival inaugurou oficialmente na cidade a chamada American Season, uma ampla programação de eventos dedicados à cultura norte-americana.