Memória
10 de dezembro de 2011Torkel S. Wächter sempre desconfiou, até a morte de seu pai, de que havia algo na vida do mesmo que era mantido em segredo. Ou alguma coisa sobre a qual o pai não podia falar. "Eu percebia que tinha algo oculto nele. Mesmo sem verbalizar, ele transportava isso", diz o escritor sueco hoje, quase 30 anos mais tarde.
As poucas referências, contudo, das quais o jovem Torkel tinha conhecimento, bastavam para impedir que ele tocasse no tabu que pairava sobre a história de seu pai: Walter Wächter, nascido em 1913, em uma família de judeus de Hamburgo, fugiu da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial e começou vida nova na Suécia. Todas as tentativas de falar sobre isso com o pai em vida acabaram, todavia, fracassando.
O tabu foi mantido até mesmo para além da morte de Walter Wächter, em 1983. Torkel, a princípio, preferiu não se aprofundar muito no legado deixado por seu pai: "Eu sabia que havia um material sobre sua vida, mas era como se eu estivesse vasculhando coisas muito pessoais. Eu tinha quase a impressão de que meu pai podia me ver ali", recorda o escritor. Por respeito, mas também por medo do que poderia descobrir ali, Torkel S. Wächter deixou o acervo herdado de seu pai intocado durante 16 anos.
Aprender alemão e ler "letras indecifráveis"
Só no ano de 1999 é que ele se voltou para os documentos. No entanto, grande parte do material, entre este 32 cartões-postais, que Torkel S. Wächter disponibiliza hoje em versão amplamente comentada pela internet, estavam escritos em alemão. E ainda em sütterlin [sistema de escrita criado em 1911 pelo alemão Ludwig Sütterlin, a mando do governo da Prússia], numa grafia que hoje em dia, mesmo na Alemanha, pouca gente consegue ler. O escritor sueco encontrou ajuda entre aposentados de Hamburgo, que auxiliaram na transcrição dos textos. "Foi aí que aprendi alemão, de forma a poder ler os postais e também o resto do material", conta.
Sem esses cartões-postais, escritos em grande parte por Minna e Gustav, os avós de Torkel, de Hamburgo, a seu pai, Walter, a história da família jamais poderia ter sido reconstruída. Torkel se enveredou por centenas de cartas e registros de diários, em incontáveis pesquisas por diversos arquivos. Assim foi ficando cada vez mais claro qual era a realidade deprimente que se escondia por trás de mensagens aparentemente tranquilas.
"Meus queridos! Primeiramente, desejo a vocês feriados bem agradáveis", escrevia Minna Wächter em fins de 1940 ao filho Walter e sua mulher na Suécia. "Vocês já se mudaram para a nova casa? A Dora vai domingo ao Teatro Thalia com a Jessie ver Branca de Neve". O que ela não escreve, explica Torkel em seu comentário na internet, é que Minna não podia acompanhar Dora e Jessie – suas parentes não judias – porque os judeus eram proibidos de frequentar teatros, concertos ou salas de cinema.
Sobre a esperança
Esta realidade, porém, era oculta nos cartões-postais e nas cartas. "Acho que era por causa da censura, mas as cartas tinham também o objetivo de dar coragem. Por isso eles não escreviam tanto sobre seus sofrimentos, mas muito mais sobre as esperanças. A falta de esperança era mais registrada nos diários", conta Torkel Wächter.
Ele incluiu em seu projeto 32 Cartões-Postais também um registro do diário de seu pai, do dia 5 de janeiro de 1941: "Em dois meses, já fazem dois anos que fui libertado do presídio e pude deixar a Alemanha. E que três anos! Tão ricos em acontecimentos externos e pobres em sensações internas! Como qualquer perspectiva de futuro é hoje turva e desconsoladora. Fui perseguido em meia Europa para, agora, estar aqui na Suécia, vivendo há mais de dois anos como agricultor e ainda com um estado de saúde altamente debilitado. Itália, Iugoslávia, Hungria, Alemanha de novo, o país amargamente odiado e desesperadamente amado, então quase na Dinamarca e, enfim, a Suécia. E em três anos de vida coletiva, uma solidão humana tamanha como nunca seria imaginável na vida burguesa individualista".
Salvos por funcionários públicos alemães
Estes são momentos, nos quais Torkel S. Wächter descobre um pai desconhecido: "Conheci meu pai como uma pessoa que lutava! Ele era politicamente muito ativo, foi membro do Partido Social Democrata e depois do socialista Partido dos Trabalhadores. Pertenceu ao mesmo partido de Willy Brandt. Ele era uma pessoa com muito interesse pela sociedade. E realmente não gostava de trabalhar em uma propriedade rural".
Mas Wächter teve também supresas agradáveis ao avaliar o material: no Pogrom que aconteceu na madrugada do 9 para o 10 de novembro de 1938, seu pai chegava à Dinamarca. "Mas não pôde entrar por causa de um funcionário público dinamarquês. Ele então quase desistiu, pulou na água e foi salvo por dois funcionários alemães da companhia ferroviária, que o ajudaram a voltar para Hamburgo sem dinheiro. Lá ele recebeu dinheiro de seu pai e veio então para a Suécia", conta Torkel Wächter.
Deportação ao meio-dia
Para o escritor, publicar a história de sua família na internet é um experimento, que ele próprio chama de "tempo real simulado": cada cartão-postal foi sendo "postado" no site exatamente 70 anos depois de ter sido escrito. O último deles data de 6 de dezembro de 1941 – o dia em que seus avós foram deportados de trem para Riga. "O trem partiu por volta de meio-dia", diz ele pensativo em uma conversa no dia 6 de dezembro de 2011, poucos minutos antes do relógio marcar 12 horas.
Seus avós foram assassinados em Riga. O projeto online, fala Torkel Wächter, o ajudou "a entender melhor a história. E eu quis dividir isso com os outros". De fato, há sempre contato com leitores via internet – ao contrário do que Wächter conhece de sua atividade como escritor. "Isso é realmente uma coisa muito boa", diz ele. "O interesse é especialmente grande na Alemanha. Acho que muita gente passou por experiências semelhantes às minhas. Isso vale tanto para as famílias judias, quanto para as não judias. Todos nós perdemos algo na guerra", conclui.
Autora: Aya Bach (sv)
Revisão: Carlos Albuquerque