Estrada no Himalaia coloca China e Índia à beira de conflito
4 de agosto de 2017Pequim está intensificando suas advertências às tropas indianas para deixar uma região contestada no alto do Himalaia, perto da tríplice fronteira entre China, Índia e Butão. O ministro chinês da Defesa, Ren Guoqiang, afirmou nesta quinta-feira (03/08) que as Forças Armadas de seu país estão mostrando a "maior boa vontade" e um "alto nível de contenção".
A Índia deveria "desistir da ilusão de sua tática de adiamento" e não subestimar a "firmeza e a capacidade" da China de defender a sua soberania nacional e seus interesses, declarou Ren.
Nas últimas semanas, tropas chinesas e indianas têm se encarado perto de um vale controlado pela China e que separa a Índia do Butão, um estreito aliado indiano. Esse vale permite à China o acesso ao chamado "Pescoço de Frango", uma estreita faixa de terra que conecta a Índia às suas regiões mais remotas a nordeste.
Pequim alega que forças indianas adentraram uma região conhecida na China por Donglang – chamada Doklam na Índia – no início de junho, obstruindo os trabalhos numa estrada nesse planalto do Himalaia. As autoridades chinesas afirmam que as ações do lado indiano violam um acordo de fronteira fechado em 1890 entre a China e o Reino Unido, de quem a Índia foi colônia até 1947.
A Índia, por sua vez, afirma que tropas chinesas entraram e tentaram construir uma estrada em território butanês. Sem acesso ao mar, a pequena nação do Himalaia encrustada entre os dois gigantes é altamente dependente de Nova Déli e não mantém relações diplomáticas com Pequim. O Butão afirmou que a construção da estrada em seu território é uma "violação direta" de acordos com a China.
Embora China e Butão há décadas estejam negociado a demarcação precisa de suas fronteiras sem incidentes graves, desta vez o Butão procurou ajuda da Índia. Nova Déli considera essa região montanhosa como um território estrategicamente vital e enviou tropas para conter os operários chineses. Desde então, ambas as partes fracassaram em resolver a questão.
Troca de acusações
No início de agosto, a China divulgou uma declaração acusando a Índia de "inventar" motivos para o envio de tropas para a região. "O que a Índia fez não somente viola severamente a soberania territorial da China, mas também constitui um grave desafio para a paz e estabilidade regionais, e também para a ordem internacional, o que não será tolerado por um Estado soberano", afirmou o porta-voz do Ministério chinês do Exterior, Geng Shuang.
Pequim também rejeitou qualquer legitimidade da Índia na questão fronteiriça entre a China e o Butão. "Como um terceiro, a Índia não tem o direito de interferir em ou impedir negociações de fronteira entre China e Butão, menos ainda de fazer reivindicações territoriais em nome do Butão", afirmou o Ministério do Exterior em Pequim. "A China vai tomar todas as medidas necessárias para salvaguardar os seus direitos e interesses legítimos e legais", acrescentou.
A Índia respondeu à declaração chinesa reiterando que a construção da estrada por Pequim na região disputada "representaria uma mudança significativa do status quo" e instou ambas as partes à "máxima moderação". "A Índia considera que a paz e a tranquilidade nas regiões de fronteira entre a Índia e a China são um pré-requisito importante para o bom desenvolvimento de nossas relações bilaterais com Pequim", declarou o ministro indiano do Exterior nesta quarta-feira.
Apesar de a China apelar repetidamente para que a Índia retire as suas forças, reportagens sugerem que não houve qualquer mudança na situação e os dois lados dão continuidade ao impasse. Citado pela agência de notícias Reuters, o especialista militar indiano Nitin Gokhale teria afirmado que a Índia estaria preparada para uma longa empreitada. "A decisão é manter uma postura resoluta e agir de forma racional na diplomacia", afirmou Gokhale.
Manter as aparências
Para resolver o problema, ambas as partes têm recorrido a negociações de bastidores, mas com pouco sucesso. Ajit Doval, conselheiro de segurança nacional da Índia, visitou Pequim na semana passada para um encontro de países do Brics sobre segurança, mantendo conversas bilaterais com o importante diplomata chinês Yang Jiechi, que está acima do ministro do Exterior. No entanto, uma declaração oficial do governo chinês sobre o encontro não mencionou a questão fronteiriça.
"Nenhum dos lados sente pressão para baixar o tom da disputa, e a agenda política na China limita a flexibilidade em questões envolvendo soberania e integridade territoriais", escreveu o analista de política externa Ryan Hass, do centro de estudos americano Instituto Brookings.
Como o Partido Comunista da China deverá realizar seu congresso partidário quinquenal no segundo semestre deste ano, há razões para as autoridades chinesas evitarem serem percebidas como 'fracas', sublinhou Hass. "Da mesma forma, na Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi tem espaço político limitado para ceder, já que isso poderia ser um convite a ainda mais pressão por parte da China no futuro, além de minar a confiança na responsabilidade indiana em relação à segurança do Butão."
Ou seja, a questão crucial para ambos os lados é aparentar ser forte e não perder a reputação, especialmente enquanto os meios de comunicação de ambos os países mantiverem uma abordagem protecionista, agitando sentimentos ultranacionalistas.
As tensões também parecem ter efeito sobre os laços econômicos dos dois países: a Índia estaria, supostamente, disposta a rejeitar uma oferta de 1,3 bilhão de euros do grupo chinês Shanghai Fosun Pharmaceutical Group pela aquisição da empresa farmacêutica indiana Gland Pharma.
"Com o tempo, porém, as probabilidades favorecem mais uma solução pacífica que o impasse. Ambos os lados acumularam sabedoria em lidar com disputas anteriores, mantêm encontros frequentes de alto nível e falta um motivo racional para iniciar uma guerra devido a uma estrada remota no Himalaia", avaliou Hass.
Escaramuças de fronteira
Uma desconfiança mútua e profunda tem caracterizado, há muito, as relações sino-indianas, atormentadas pelo legado da guerra de fronteira de 1962, pelo papel da Índia como anfitriã do líder espiritual tibetano, Dalai Lama, como também pelos laços profundos da China com o rival regional da Índia, o Paquistão.
Durante a última década, Nova Déli olhou cautelosamente para o fortalecimento econômico, militar e diplomático de Pequim, que permitiu que a China expandisse a sua presença e influência mesmo no Sul da Ásia, uma região vista pela Índia como seu quintal estratégico. A China, por sua vez, tem se preocupado com a crescente proximidade da Índia com países como os EUA e o Japão.
As suspeitas mútuas são agravadas pelas reivindicações territoriais não solucionadas entre as duas nações mais populosas do planeta. Essas disputas se inflamam ocasionalmente, levando a escaramuças menores de fronteira. Pequim reivindica cerca de 90 mil quilômetros quadrados no estado indiano de Arunachal Pradesh, chamado informalmente por alguns chineses de "Tibete do Sul". A Índia, por outro lado, reclama a soberania sobre 38 mil quilômetros quadrados do planalto de Aksai Chin.
Mais de uma dezena de rodadas de negociações não conseguiu chegar a nenhum progresso substancial na disputa, embora tenham acontecido relativamente poucos confrontos nos últimos anos.