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Estudo detalha drama do abuso infantil dentro da família

Andrea Grunau
9 de setembro de 2021

Estudo mostra a dor desesperadora e silenciosa de quem sofre violência sexual dentro da própria família e apela a pessoas próximas, como vizinhos e educadores, a não se omitirem.

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Criança sentada no chão, vista de cima, com ursinho no colo
"Uma criança não consegue se libertar da própria família"Foto: Inderlied/Kirchner-Media/imago images

"Nunca esquecerei o dia em que acreditaram em mim", diz Angela Marquardt, que é conselheira do encarregado alemão para casos de abuso sexual. Mais da metade das pessoas afetadas que entraram em contato com o conselho sofreram abuso sexual em suas próprias famílias, como foi o caso, também, de Marquardt.

Durante muito tempo, quase não houve pesquisas sobre o assunto. Marquardt enfatiza que raramente se acredita nas crianças e adolescentes e dificilmente eles são ajudados quando sofrem violência sexual do pai, padrasto, tio, avô, irmão, mãe, madrasta ou outros parentes.

"Uma criança não consegue se libertar sozinha de sua própria família", comenta Sabine Andresen, presidente de uma comissão independente sobre casos de abuso sexual infantil, que apresentou um estudo sobre o tema em Berlim. O refúgio familiar é uma armadilha há gerações. "Muitos dos afetados relatam que suas famílias mantinha contato com os serviços de assistência social para jovens", relata Andresen. As crianças, no entanto, não foram ajudadas, os interesses dos adultos muitas vezes se sobrepõem.

Andresen é uma das autoras do estudo Violência sexual na família, que faz uma reavaliação social da violência sexual contra crianças e adolescentes desde 1945 até a atualidade. O estudo trata do abuso sexual, desde ataques verbais até estupro.

Durante cinco anos, os pesquisadores avaliaram de forma anônima audiências confidenciais e depoimentos escritos de 870 vítimas. Quase 90% eram meninas e algumas foram abusadas por vários infratores. Quase metade tinha menos de 6 anos quando o abuso começou. Os mais novos eram bebês.

No início, muitos não entendiam o que acontecia com eles. "Fui abusada sexualmente pelo meu avô numa idade em que ainda não conseguia falar. Portanto, foi um longo caminho para descobrir isso e desenvolver uma linguagem para isso", disse uma vítima.

Maioria dos transgressores são homens

Outra vítima relata: "Na época, eu fugia com frequência, mas nunca fui muito longe. Não sabia para onde ir quando tinha 7 anos." Andresen enfatiza a importância das declarações das pessoas afetadas, que muitas vezes só falaram de suas experiências muitos anos depois, para descobrir a situação desesperadora em que se encontram as crianças.

Outro exemplo: "Sofria uma dor lancinante e uma profunda tristeza após cada ocorrência. Toda minha infância desapareceu. Já não brincava nem ria. Comecei a chorar muito, principalmente em público, o que me levou a ser desprezado e ridicularizado, e me tornou cada vez mais solitário."

Os depoimentos mostram que muitas vezes as crianças são silenciadas com ameaças. "O que acontece na família não é da conta dos outros. Isso ainda está profundamente enraizado em mim: não posso dizer nada a ninguém. E sempre com a ameaça: Se contarmos, meu pai pode ter que ir para a cadeia."

Segundo o estudo, a ampla maioria dos que cometem abusos sexuais infantis dentro da família (87%) são homens, quase metade deles pais biológicos, padrastos ou pais adotivos. Muitas crianças procuram ajuda no círculo familiar, principalmente de suas mães, mas muitas vezes em vão.

A responsabilidade da sociedade

Os autores do estudo afirmam que quem sofreu violência sexual quando criança em sua família costuma relatar a sensação de estar sozinho no mundo. Ao contrário das vítimas na escola, clube esportivo ou igreja, é muito mais difícil para as vítimas abusadas na própria família encontrar quem lhes ouça ou ajude.

Dentro das famílias, diz Marquardt, as pessoas costumam mostrar solidariedade com os perpetradores e isolar os afetados. Ela considera importante levar em conta a experiência das vítimas  na superação dos problemas e as tratar com de igual para igual, não apenas como vítimas.

Segundo ela, "a sociedade não tem o direito de abandonar as crianças nas suas famílias". Elas não têm nenhuma instituição a quem recorrer. "A família como espaço para crimes não é uma questão privada." Ela exige um amplo debate social, e não apenas quando casos chocantes como o de Münster, que causou forte comoção na Alemanha.

"Violência sexual não é assunto privado"

Andresen enfatiza que é importante que pessoas dentro e fora das famílias ajudem as crianças, "sejam vizinhos, sejam educadores na creche ou na escola". Ela diz haver uma grande relutância em interferir nas famílias. "Mas a violência sexual não é um assunto privado", enfatiza. Os relatos das vítimas mostram o quanto essa não interferência leva as crianças e jovens a não receberem ajuda.

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"Também precisamos que as secretarias municipais de ajuda aos jovens reavaliem suas ações nas últimas décadas", pede. Uma comissão de esclarecimento está trabalhando nisso. "É preciso garantir que os direitos das crianças e dos jovens sejam atendidos."

Durante décadas houve uma continuidade no desrespeito e desprezo pelas crianças e a juventude, assinala. Para melhorar isso, os centros de aconselhamento e secretarias de bem-estar juvenil teriam que ser mais bem equipados. "E precisamos nos perguntar: por que é tão difícil acreditar nas crianças e nos jovens?"

Muitos que relataram suas experiências desejam que as crianças de hoje sejam poupadas do que elas passaram. O estudo cita uma pessoa afetada: "Acho que ajuda muito se você agir imediatamente e não, de alguma forma, deixar a criança sozinha por 15 anos e ela ter que se virar sozinha. Não feche os olhos, não ignore."