Estudos desmistificam perfil do eleitor de Trump
30 de junho de 2017A narrativa corrente para explicar a rápida ascensão de Donald Trump, das primárias do Partido Republicano à inesperada vitória na eleição presidencial americana, é algo assim: o impetuoso magnata conseguiu despertar e politizar uma base operária adormecida, atraída por seu estilo pouco ortodoxo e alguns temas-chave.
Esses empolgados eleitores da classe trabalhadora, segundo a teoria popular, evoluíram para uma massa – primeiramente em seus comícios e depois nas cabines eleitorais, assegurando a Trump uma vitória sobre a democrata Hillary Clinton.
A narrativa soa atraente, mas tem um problema: não é exata. Segundo dois estudos recentes, os eleitores de Trump, na verdade, correspondem mais ao eleitorado padrão republicano, no qual a classe operária americana desempenha um papel – mas não uma importância como muitas vezes lhe é atribuída na vitória eleitoral do atual presidente.
"Com esses dados, não há nenhuma razão para pensar que a sua base era composta, na maior parte ou mesmo perto disso, por pessoas da classe trabalhadora", afirma Noam Lupu, cientista político da Universidade Vanderbilt, que analisou os últimos resultados do estudo da "American National Election", principal pesquisa em nível acadêmico sobre eleitores nos EUA.
O que Lupu e sua colega encontraram quando começaram a olhar em quem votou em Trump foi um padrão republicano bastante tradicional. Segundo a pesquisa, aproximadamente um terço do eleitorado de Trump possuía renda familiar abaixo da média americana, um terço ganhava entre 50 mil e 100 mil dólares; e o terço restante, mais de 100 mil dólares.
Dado que as profissões dos entrevistados, tradicionalmente um bom indicador de status social, não aparecem geralmente em estudos americanos, os pesquisadores tiveram que confiar nos dados salariais para definir critérios que correspondem à classe trabalhadora. Assim, as pessoas que ganhavam abaixo da renda familiar média foram consideradas eleitores da camada operária para fins de pesquisa.
"As pessoas ficaram surpresas com os dados", explica Lupu. "O eleitorado de Trump é muito parecido, demograficamente, a uma base republicana padrão."
Segundo o pesquisador, isso também é apoiado pelas recentes metas políticas de Donald Trump e congressistas republicanos, eliminando o seguro-saúde implementado por Barack Obama e implementando uma reforma tributária – ambas tradicionais ideias republicanas, mas não necessariamente defendidas pela classe trabalhadora.
Não existe um típico eleitor
Os pesquisadores também descobriram que Hillary Clinton recebeu mais votos da classe operária americana que Trump, um resultado que mostra novamente que as intenções de votos da classe trabalhadora pendem para o lado democrata.
Emily Ekins, diretor no Instituto Cato, ligado ao Partido Libertário, também observa isso no eleitorado de Trump, com base em dados do grupo de estudos "Democracy Fund's Voter". A pesquisa de Ekins mostra, da mesma forma, que a classe trabalhadora americana responde apenas por um de cinco segmentos diferentes que formam a base eleitoral de Trump.
"Não existe tal coisa como um típico eleitor de Trump que votou nele por uma só razão", explica Emily Ekins. "Dos cinco grupos, aquele que se encaixa na média do estereótipo de eleitor de Trump é aquele que chamo de americano preservacionista [American Preservationist]."
Essa é a tão mencionada classe trabalhadora americana que está profundamente preocupada com a imigração e minorias raciais, mas se comporta de forma economicamente progressiva e apoia o aumento de impostos sobre a riqueza, como também grandes programas governamentais como o Medicare [programa de saúde destinado a pessoas mais velhas].
Enquanto os preservacionistas americanos respondem pela mais estridente – e mais incomum – fatia da população que apoia Trump, eles compõem somente 20% do eleitorado do presidente.
O seu oposto, rotulado de "defensores do livre-mercado" (free marketeers), responde por 25% do eleitorado de Trump, enquanto os conservadores convictos (staunch conservative) são 31%. Ambos os grupos apoiaram Trump com menos entusiasmo; especialmente o primeiro, que votou explicitamente contra Hillary, aponta a pesquisadora.
Comícios podem ser enganosos
Ainda assim, no final, ambos os grupos – tradicionalmente um número maior de leais republicanos do que de americanos preservacionistas, um quinto dos quais votou em Barack Obama em 2012 – escolheram o candidato republicano.
Isso é importante, porque sem o apoio dos republicanos tradicionais – e apesar do feroz apoio de eleitores da classe trabalhadora – Trump não teria sido capaz de ganhar a eleição. As pesquisas de Lupu e Ekins sobre o eleitorado têm várias implicações para o público, mídia e os políticos.
Confiar nas pessoas que apareceram e gritaram mais alto em eventos eleitorais pode não ser um indicador confiável do eleitorado de um candidato, explica Lupu, fazendo alusão a jornalistas que tendem a dar destaque aos participantes de comícios em suas reportagens.
"Acho que nesse caso em particular isso pode ser enganoso", afirmou. "Um monte de eleitores-padrão da base republicana não estava provavelmente animados com Donald Trump, não aparecendo assim em seus comícios, mas mesmo assim votaram nele. Quem participa de comícios não é uma base muito representativa do eleitorado."
Lupu também advertiu contra o que considera a tipificação habitual dos eleitores da classe trabalhadora como atores irracionais que votam contra os seus interesses econômicos, já que votam nos republicanos.
"Há um elemento de estereotipificação e condescendência frente a pessoas da classe operária, de forma que a ideia de que foram enganados por Donald Trump e por seu populismo alimentou o mito que de certa maneira já existia", opina.
Para Ekins, um dado-chave que pode se levar de sua pesquisa é a enorme diversidade da base republicana. "É muito mais diversificada do que as pessoas imaginam."