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Estupro expõe lado que Rio tenta maquiar

Roberta Jansen, do Rio 30 de maio de 2016

Caso de adolescente abusada ganha repercussão internacional e mostra território sem lei da cidade olímpica: entregue ao comando de traficantes e milicianos, enquanto áreas nobres são preparadas para atletas e turistas.

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Comunidade na zona do oeste do Rio de Janeiro, nas proximidades da Vila Olímpica: índices de violência vêm aumentando gradualmente
Comunidade na zona do oeste do Rio, nas proximidades da Vila Olímpica: índices de violência crescem gradualmenteFoto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana

O estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos numa comunidade da zona oeste do Rio de Janeiro teve grande repercussão na imprensa internacional, chamando a atenção para a questão da falta de segurança na cidade que, dentro de pouco mais de dois meses, será sede dos Jogos Olímpicos e espera receber cerca de 500 mil turistas.

Embora nas áreas nobres (e olímpicas) a segurança seja reforçada, a periferia e, sobretudo, as comunidades, seguem entregues ao comando de traficantes e milicianos, especialmente agora, com o desmantelamento de muitas das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e a falta de recursos para pagamento de horas extras a policiais e até mesmo de combustível.

Números divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) na semana passada mostram que, desde o início do ano, os índices de violência vêm aumentando gradualmente. Na capital, o aumento foi de 2,3% em abril. Mas o aumento de maio deve ser bem maior. Desde meados do mês, o Rio convive com 15 guerras entre facções criminosas em 21 comunidades, algumas também em áreas nobres, como Leblon, Leme e Copacabana.

As estatísticas mostram um aumento no número de homicídios dolosos (com intenção de matar) em 15,4% neste ano em relação aos primeiros quatro meses de 2015. Ao todo, 2.036 pessoas foram mortas. De acordo com o ISP também houve aumento de 23,7% no número de roubos e assaltos a transeuntes (38.461 casos de janeiro a abril deste ano) e no número de roubo de automóveis, que subiu 19,7%. O Rio registra ainda 13 casos de estupro por dia.

Comunidades em guerra

Especialistas ouvidos pela DW afirmam que um crime bárbaro como o estupro coletivo poderia ocorrer em qualquer cidade do mundo, independentemente da questão da segurança pública. Mas, afirmam que, de fato, todos os índices de violência pioraram e muitas comunidades estão em guerra, deixando a cidade como um todo mais vulnerável.

Parte desse aumento é atribuído ao desmantelamento das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e, outra parte, à grave crise financeira de arrecadação fiscal por que passa o governo estadual. A crise fiscal forçou a redução da jornada de trabalho de muitos policiais para evitar o pagamento de horas extras e levou até mesmo à redução da frota para economia de combustível. O fracasso das UPPs devolveu muitas comunidades que estavam razoavelmente pacificadas às mãos de traficantes e milicianos.

Polizisten überwachen Strände von Rio de Janeiro
Policiais patrulham praia na zona do sul do Rio: segurança reforçada para receber turistas e atletasFoto: Fernando Frazao/ABr

"O momento não é favorável, houve, de fato, um aumento de todos os índices de violência nos últimos meses", reconhece o sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

O antropólogo Paulo Storani, do Instituto de Ciências Policiais da Universidade Cândido Mendes, concorda. Para ele, o estado vive um momento crítico, com o aumento nos índices de violência, o desgaste excessivo das tropas da Polícia Militar e o desmantelamento de projetos importantes como o das Unidades Pacificadoras.

"A polícia não deu o desdobramento necessário às UPPs por falta de recurso e pessoal, e o segundo momento nunca aconteceu, que era justamente o de projetos voltados para jovens em situação de vulnerabilidade, como esses que estupraram a adolescente, e para ações urbanísticas nas favelas. Porque não se resolve o problema de segurança pública apenas com polícia", afirma Storani.

Em relação à segurança da cidade para os Jogos Olímpicos de agosto, Cano minimiza os riscos para as zonas turísticas, mas teme uma degradação da situação após o fim do evento.

"Durante os Jogos, enquanto os turistas estiveram nas áreas turísticas, acho que não haverá problemas", afirmou Cano. "Haverá um policiamento ostensivo, reforçado, com muito apoio federal. Acho que o problema será para nós, depois dos Jogos, com bem menos atenção da mídia internacional e menos recursos."