Caso Megaupload
23 de janeiro de 2012Autoridades europeias e defensores de direitos digitais dizem que a ação legal perpetrada na semana passada pelos Estados Unidos contra o portal de compartilhamento de dados Megaupload abre um perigoso precedente para a lei internacional de direitos autorais.
"A proteção dos detentores de direitos autorais nunca deve ser usada como pretexto para intervir na liberdade da Internet", disse neste domingo (22/01) a comissária de Justiça da União Europeia (UE), Viviane Reding. Ela alertou contra um "zelo excessivo" que poderia ter um efeito inibidor sobre a internet e disse que bloquear a Internet não é a posição defendida pela União Europeia.
Na ação da semana passada, quatro cidadãos europeus foram presos na Nova Zelândia e bens avaliados em cerca de 50 milhões de dólares foram congelados. Os Estados Unidos alegam que o Megaupload causou um "dano estimado" aos detentores de direitos autorais "muito superior a 500 milhões de dólares", acrescentando que os detidos "supostamente lucraram mais de 175 milhões de dólares com publicidade e com a venda de assinaturas premium."
Os quatro homens detidos na quinta-feira (19/01), incluindo o fundador do Megaupload, Kim Schmitz, que tem nacionalidade alemã e finlandesa e é conhecido também pela alcunha de Kim Dotcom, compareceram diante de um juiz em Auckland já na sexta-feira passada. Schmitz não teve direito a fiança.
O investigador Grant Wormald, da Agência de Crime Organizado e Financeiro da Nova Zelândia, disse que 76 agentes locais trabalharam com o FBI para cumprir o mandado de prisão. Ele disse ainda que as prisões foram solicitadas pelos Estados Unidos com o propósito de extradição.
"É extremamente perturbador que um cidadão não americano à frente de um negócio não americano com sede fora dos Estados Unidos possa ser preso por autoridades norte-americanas por infringir a lei norte-americana", disse à Deutsche Welle Rick Falkvinge, fundador do Partido Pirata da Suécia. "Se os americanos estão controlando o mundo com esse tipo de força, então eu exijo direito de votar nos Estados Unidos."
As prisões dos diretores do portal Megaupload aconteceram um dia depois que websites em todo o mundo conduziram um grande protesto contra duas leis em discussão na Câmara dos Representantes e no Senado dos EUA, conhecidas como Stop Online Piracy Act (SOPA) e Protect Intellectual Property Act (PIPA).
Diante dos protestos liderados por gigantes da Internet como Google e Wikipedia, líderes no Congresso dos Estados Unidos decidiram suspender a tramitação da lei antipirataria.
Revisão da lei
"Eu estou preocupada com os efeitos colaterais de casos como esses na inovação e na ideia de Internet livre", escreveu por e-mail à Deutsche Welle a eurodeputada holandesa Marietje Schaake. Ela foi nomeada recentemente relatora da Estratégia Europeia para Liberdade da Internet no Mundo. "Preocupo-me com a forma como processar empresas de Internet pode se tornar um fim em si. Esse tipo de ativismo legal dos Estados Unidos atingindo a União Europeia é indesejado", reforçou.
Pela lei alemã, o desligamento total de um website, como aconteceu com o Megaupload, não seria possível, explica o advogado alemão Dominik Boecker, especializado em Internet e Propriedade Intelectual.
"Enquanto houver um modelo de negócios legítimo – e uma plataforma para armazenamento e compartilhamento de dados não é em princípio um serviço ilegal – o servidor só seria responsável se tivesse conhecimento sobre o uso ilegal de sua plataforma. Tirar o serviço totalmente do ar significa que não há nada legal nesse negócio, e isso é muito difícil de se imaginar, mesmo no caso do Megaupload", diz Boecker.
Ideia é legal
A princípio não é proibido oferecer espaço para armazenamento de dados. Um exemplo prático: quando um vídeo gravado nas férias é grande demais para ser enviado por e-mail, pode-se armazená-lo num servidor como o Megaupload. De lá amigos do mundo todo podem acessar o vídeo por meio de um link e de uma senha.
"A idéia básica desse sistema é neutra", diz o jornalista Holger Bleich, da revista alemã de informática c't. "O primeiro do gênero, o Rapidshare, que criou esse tipo de serviço em 2004, apresentava-se dessa maneira. A ideia de distribuir cópias ilegais não existia no início desses serviços."
O problema é que o sistema não funciona apenas para vídeos das férias, mas também para outros tipos de dados: fotos, textos, livros, filmes e música. Muitos deles são protegidos por direitos autorais, e a distribuição sem autorização do autor é ilegal. Ainda assim, dados como esses são encontrados em dezenas de servidores de armazenamento.
Oferta e procura
O fato de que muitos usuários na internet têm interesse no acesso barato a filmes e séries de TV está fora de questão. A pergunta é: de onde vem a oferta? Quem distribui o conteúdo ilegal na internet? Bleich aposta em dois grupos: "Algumas pessoas querem simplesmente vencer a 'concorrência' e disponibilizar os filmes recém-lançados o mais rápido possível na internet. Eles não ganham nada com isso, é só pela glória."
O segundo grupo seria recompensado por servidores como o Megaupload. "Um dos princípios pelos quais você pode acusar esses serviços é que eles recompensam usuários pelo grande número de uploads. Alguém que faz muitos uploads, por exemplo, recebe prêmios, descontos ou presentes. E isso beneficia principalmente pessoas que distribuem cópias ilegais no mercado."
Autores: Cyrus Farivar / Klaus Jansen (ff)
Revisão: Alexandre Schossler