Ex-fotógrafa da Sandy agora é "beauty artist" na Espanha
21 de dezembro de 2021Se fosse classificar suas duas migrações, a brasileira Vanessa Leão de Carvalho poderia muito bem colocar a primeira — entre 2007 e 2009, quando viveu em Barcelona — na caixinha do amor. E a segunda, de 2018 para cá, quando fincou o pé em Coruña, como a consolidação da felicidade profissional.
Aos 41 anos, ela se tornou uma requisitada profissional da beleza na Espanha — ou "beauty artist", como se autodefine. O trajetória, contudo, é cheia de reviravoltas.
Nascida em Presidente Prudente, no interior paulista, Vanessa trabalhava como fotógrafa oficial da dupla Sandy e Júnior nos anos 2000. Quando os cantores decidiram seguiram carreira solo, em 2007, ela acabou sendo dispensada.
"Ao mesmo tempo, eu havia acabado de terminar um namoro de sete anos", recorda. "Queria sair do Brasil e acabei vindo para a Espanha, onde me matriculei num curso de fotografia."
O que era para ser uma mudança de ares acabou se tornando também uma nova história de amor. Logo que chegou a Barcelona, em abril de 2007, Vanessa conheceu Gustavo. Apaixonaram-se. Àquela altura, nenhum dos dois encarava a temporada espanhola como definitiva. Formado em hotelaria pelo Senac, Gustavo queria trabalhar em hotéis e restaurantes por um ano para adquirir experiência internacional e ganhar fluência no idioma espanhol.
À medida que o relacionamento ficava mais sério, o Brasil ficava mais distante. Para conseguir permanecer na Europa por mais tempo, Vanessa encarou vários trabalhos temporários: entregou flyer nas ruas, foi hostess de eventos, atuou como fotógrafa. Em outubro de 2008 nasceu Zion, o primeiro filho do casal. "Primeiro neto, nenêzinho. A família fez pressão para voltarmos", conta ela.
Em 2009, mudaram-se para São Paulo. Mas nunca se readaptaram completamente ao estilo de vida brasileiro.
O "salão da Vanessa"
Vanessa tornou-se relações públicas para o escritório latino-americano de uma empresa dos Estados Unidos. "Trabalhava loucamente, era frenético", conta. "Sentíamos falta da qualidade de vida que tínhamos na Espanha."
Se por um lado profissionalmente as coisas iam bem, a vontade de ir embora nunca desaparecia. Nesse meio-tempo, em 2014, nasceu Otto, o segundo filho.
"Quando o primo de meu marido mudou-se para Coruña e nos contou isso, decidimos priorizar nosso plano de mudar novamente", diz ela. Era preciso, contudo, viabilizar novo visto. Vanessa passou a procurar oportunidades acadêmicas e se deparou com "um master em jornalismo avançado multiplataforma". "Pensei: 'Quer saber? Vou fazer isso, aprender a mexer em redes sociais e reinventar minha carreira'", relata.
Inscreveu-se. Ficou na lista de espera. E, enfim, foi chamada.
A partir de então seria uma corrida contra o calendário. Ao longo de um ano — o período do master —, Vanessa e Gustavo precisavam viabilizar a nova vida se quisessem continuar morando na Espanha de forma definitiva.
Com sua experiência, Gustavo não teve dificuldades para conseguir trabalho em restaurantes. Em meio às primeiras aulas da pós-graduação, Vanessa lembrou-se que desde criança gostava de brincar de salão de beleza. "Fazia máscara no rosto do meu pai, escova no cabelo da minha mãe. Domingo era dia do 'salão da Vanessa' lá em casa", conta.
"Se no Brasil eu falasse que ia trocar minha carreira para mudar para essa área, iam dizer que eu estava louca. Mas agora eu tinha a oportunidade", relembra.
Planejamento
Ela desenhou um plano: para não ser mais uma, precisava se tornar referência. Buscou estágio naqueles que eram considerados os mais importantes salões de beleza da Espanha.
O master era um bom pretexto para estar na Europa, mas o objetivo passou a ser a nova carreira. "O estudo era meu sonho, falar que 'tenho mestrado na Europa', uma coisa minha, mesmo. E a maneira de estar aqui, né? Quando você sai do Brasil, a família fala 'pobrezinha, vai ser faxineira na Europa'. Eu sempre falava: 'vou ser na Europa o que eu quiser, inclusive se eu quiser vou ser faxineira também porque é digno'. As pessoas saem do país e acham que não vão poder ser mais nada", filosofa.
Ao longo daquele ano, Vanessa encarou a dupla jornada: as aulas durante o dia e os estágios em salões à noite. No meio de tudo, conseguiu cavar um tempinho para fazer um curso de estética.
"Aí eu tive uma sacada", afirma. Mirou no sucesso da maquiadora e designer de sobrancelhas brasileiras Erica Miguelia, influenciadora digital e queridinha de celebridades. "Meu sonho era fazer micropigmentação de sobrancelhas como a técnica dela. Se desse certo, eu estava convencida de que iria bombar."
Recorreu então ao seu passado como relações públicas e ofereceu um projeto para Miguelia: ajudaria a organizar uma viagem dela para dar cursos e fazer contatos na Espanha; em troca, queria aprender suas técnicas. "Deu certo, ela veio, eu a acompanhei por 15 dias e aprendi", resume.
Fama e clientela
As portas começaram a se abrir, então. Salões da região começaram a pedir para que Vanessa fizesse as sobrancelhas de suas freguesas. "Fui ficando conhecida e comecei a ter minha clientela", conta.
Enquanto isso, a qualidade de vida desejada voltou à família. Em Coruña, os dois filhos podem ir sozinhos para a escola, há segurança e "eles podem fazer o que quiserem". "No Brasil, eu ganhava bem, mas não sobrava nada", compara. "Aqui não tem tanta desigualdade social, violência, medo de sair na rua. Posso vir trabalhar a pé, de bicicleta, do que eu quiser."
As saudades da pátria são aplacadas quando ela se lembra dos últimos anos em que lá viveu. "Era um Brasil de estresse, de uma hora por dia no trânsito, de chegar atrasada ao trabalho. Morava na Vila Olímpia e trabalhava em Pinheiros. São poucos quilômetros e eu demorava mais de uma hora para chegar de carro. Meu filho sempre era o último a ser buscado na escola porque meus horários eram horríveis", relembra.
De acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores, hoje há 156.439 brasileiros que, como Vanessa, escolheram a Espanha para viver — isso faz do país o sétimo principal destino para os emigrantes nascidos no Brasil.
Vanessa acredita que a pandemia ajudou a impulsionar o seu negócio. Afinal, num dia a dia dominado por reuniões via teleconferências e lives, a imagem facial passou a ser mais valorizada — e, para muitos, a única parte que "merecia" ser cuidada e realçada, para ficar bem num ambiente profissional.
"Além disso, com todo mundo usando máscaras, muitas pessoas se sentiam mal por não terem sobrancelhas bonitas", ressalta.
Então ela decidiu abrir seu próprio ateliê, inaugurado em junho deste ano. "Criei coragem e consegui um local para atender só eu. Ofereço um trabalho de autor, essa arte da sobrancelha. E criei uma marca", conta.
Ela diz que já tem mais 600 clientes e "gente que vem de outras partes da Espanha". "Nessa área, ser brasileira é algo muito valorizado. E meu público é elevado, eu cobro 350 euros pelo serviço", comenta. "Mas eles se identificam muito comigo, com meu jeito de atender, o jeito brasileiro e atencioso: esse foi meu êxito aqui."