Ex-presidente da Eletrobrás comenta energia atômica e protecionismo energético
24 de abril de 2006O professor Luiz Pinguelli Rosa, secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e ex-presidente da Eletrobrás, está na capital alemã, onde participa de palestras sobre o programa nuclear brasileiro na Universidade Livre de Berlim.
Ele falou à DW-WORLD sobre temas como Tchernobil, o programa nuclear brasileiro e mix energético. As palestras foram abertas nesta segunda-feira (24/04) pelo ministro alemão do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel.
DW-WORLD: O senhor foi convidado a palestrar sobre o programa nuclear brasileiro no simpósio da Universidade Livre de Berlim sobre Tchernobil. O senhor sente uma preocupação nacional e internacional quanto à segurança deste programa?
Sim, o fato de o programa brasileiro estar ligado ao acordo nuclear feito com a Alemanha, em 1975, o faz bastante interessante para os europeus. Entretanto, este programa, que foi impulsionado pelo governo militar, demonstrou-se um grande fracasso já que, de fato, somente a usina elétrica de Angra 2 foi construída com tecnologia da Siemens. Angra 1 foi feita com tecnologia americana.
O plano inicial era construir oito reatores até 1990, e 50 até o ano 2000. O chamado "programa paralelo" de enriquecimento de urânio como combustível nuclear para a Marinha foi, todavia, mais efetivo. O encerramento deste programa pelo governo civil deveu-se à denúncia, também por parte da Sociedade Brasileira de Física, da intenção de se fazer um teste nuclear na Serra do Cachimbo, onde a Aeronáutica possui uma base aérea.
Quem tem medo de Tchernobil: o problema da tecnologia nuclear está na tecnologia nuclear ou está na falta dela?
O desenvolvimento da tecnologia nuclear estagnou e o perigo existe. Entretanto, antes de Tchernobil, o acidente na usina nuclear americana de Three Mile Island, no Estado da Pensilvânia, pôs uma pá de cal no programa nuclear dos Estados Unidos, que não mais encomendaram novos reatores. Além disso, há os riscos causados pelos rejeitos radioativos.
Existem novas usinas atômicas em planejamento no Brasil? A Alemanha ajudou a construir as usinas de Angra dos Reis, qual o papel alemão na construção das novas usinas?
Hoje, no Brasil, o programa nuclear se concentra em torno de Angra 3, com tecnologia da Siemens, cujo setor nuclear, entretanto, foi assumido pela antiga Framatome francesa.
Como o senhor vê o futuro da energia atômica? Um mix energético é aconselhável no caso de um país como o Brasil?
Hoje em dia, no Brasil, há uma oposição maior à hidroeletricidade – por parte dos movimentos ambientalistas – do que à energia atômica, o que ressuscitou também a energia a carvão. O mix energético no Brasil é viável e ele foi pioneiro com o uso do álcool. Este mix energético deve ser, entretanto, virtuoso, como é o caso da gasolina com o álcool ou, no caso da energia elétrica, da energia hidroelétrica com o gás natural. Com a tecnologia atual usada no Brasil, um mix energético utilizando o carvão mineral é negativo devido à poluição causada.
Quanto ao futuro da energia atômica, ela deveria acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Na possibilidade de uma ruptura tecnológica, o que no Brasil não aconteceu, tenho dúvidas se é interessante concluir Angra 3. Não vejo clareza na política nuclear brasileira porque ela depende de uma política energética, à qual pertence a energia atômica. Esta política energética ainda não está definida no Brasil, principalmente devido às discussões em torno dos recursos hidroelétricos.
Na próxima página, Pinguelli Rosa fala sobre os programas nucleares de países latino-americanos e faz uma sugestão conciliatória para o Irã
Além do senhor, palestrantes da Coréia e da Suécia vieram expor em Berlim o programa nuclear de seus países. Há diferenças em relação ao programa brasileiro? Como é a situação na América Latina?
Na América Latina, somente Brasil, Argentina e México possuem reatores nucleares. Acredito que o reator que estava sendo construído em Cuba, com tecnologia soviética, nunca se completou. Já a Coréia do Sul está entre as cinco primeiras potências nucleares mundiais, com um grande número de reatores. A Suécia, por sua vez, sofre o mesmo dilema do Brasil quanto à energia hidroelétrica, devido aos movimentos ambientalistas que se articularam no mundo inteiro.
Como o senhor vê o programa nuclear iraniano? O senhor acha que uma desconfiança em relação ao Irã poderia ser transferida para o programa nuclear de outros países, como por exemplo, o Brasil?
Acredito em uma solução bilateral e regional para o problema iraniano, como o foi entre o Brasil e Argentina, que estavam longe, mas na direção de construir a bomba. Assim como entre o Brasil e Argentina, que fecharam um acordo de inspeção mútua de suas instalações nucleares, criando para tal uma agência ligada à Agência Internacional de Energia Atômica, o que lhe dá credibilidade. Em nível regional, o Tratado de Tlateloco desnuclearizou a América Latina.
No caso do Irã, aconselharia uma solução regional, porque Israel tem a bomba e não sofre pressão. O mundo erra em estar em assimetria e o desarmamento nuclear é necessário. É necessário o desarmamento nuclear de Israel, é necessário o desarmamento nuclear de outras potências e é preciso evitar que o Irã construa a bomba, pois uma bomba nuclear pode ser o fim da humanidade.
O senhor escreveu recentemente um artigo sobre o desejo de compra da Endesa espanhola pela Eon alemã. Um caso semelhante foi a tentativa de compra da Suez francesa pela Enem italiana, que provocou várias discussões em torno do protecionismo energético na Europa, sendo o caso inclusive levado à Comissão Européia.Como o senhor vê isso?
Energia é uma questão de importância nacional. Existe uma ilusão da ação do mercado na resolução de problemas, que é cultivada principalmente no mundo ocidental desenvolvido. Ele funciona na resolução de problemas envolvendo uma população rica onde a competição é real. Isto não é o caso da energia, principalmente em países em desenvolvimento.
O caso do desejo de compra da Endesa espanhola pela Eon alemã, ou no caso citado entre a empresa francesa e italiana, as vendas foram impedidas pelos governos de cada país. É uma lição para o Brasil no caso de abrir mão de sua energia.
Qual a vantagem da iniciativa estatal no setor energético e quais os perigos da privatização do setor?
O racionamento acontecido no Brasil em 2001 é uma prova disto. Os grupos estrangeiros não investiram na expansão na medida necessária e a omissão governamental levou ao racionamento, problema que foi resolvido somente através da intervenção federal, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Eu não concordo com a política energética do governo atual do presidente Lula, que mantém uma certa participação estatal, cujo melhor resultado é a independência das importações de petróleo conseguida pela Petrobrás, mas mantém, em termos de energia elétrica, a Eletrobrás imobilizada.
Luiz Pinguelli Rosa, 64 anos, nasceu no Rio de Janeiro. É doutor em Física pela PUC – RJ e professor titular da UFRJ. Já esteve à frente da Sociedade Brasileira de Física por dois mandatos e presidiu a Associação Latino-americana de Planejamento Energético, de 1994 a 1998. Foi entre 2003-2004 presidente da Eletrobrás e no momento é secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.