Experiência alemã para desvendar os arquivos de Saddam
21 de dezembro de 2003A diretora do Departamento Gauck, Marianne Birthler, responsável pelo espólio dos serviços de segurança da antiga Alemanha Oriental, já esteve em Washington para conversar com exilados iraquianos. O encontro, promovido pela Fundação Heinrich Böll, visou descobrir como o Iraque pode aproveitar a experiência da Alemanha com a herança deixada por um sistema totalitário.
Estima-se que, nos 35 anos do sangrento regime de Saddam Hussein, mais de um milhão de pessoas foram executadas. Tortura e assassinatos políticos estavam na ordem do dia. Milhares de oposicionistas fugiram para o exterior.
Birthler narrou aos iraquianos o trabalho de seu departamento, que por meio da pesquisa e reconstrução do antigo arquivo secreto do Stasi vem desvendando a verdadeira dimensão do aparelho de vigilância da RDA. Mais de 2,4 milhões de cidadãos alemães-orientais eram observados permanentemente pelo serviço de segurança do Estado. Desde a abertura dos primeiros arquivos, em 1990, descobre-se volta e meia colaboradores informais e revela-se grandes operações de espionagem do regime comunista.
Rede de arapongas –
Tal como o Stasi, o Partido Baath, de Saddam Hussein, formou um amplo arquivo com 300 milhões a 400 milhões de documentos, segundo estimativas. De acordo com alguns especialistas, ali estão as provas de crueldades até agora mantidas em silêncio. Para manutenção de seu poder, a liderança iraquiana construiu uma minuciosa rede de agentes e dedos-duros, que não faziam cerimônia em apelar para torturas e assassinatos.A diretora da Fundação Heinrich Böll, Helga Flores-Trejo, disse acreditar que a experiência de mais de dez anos da Alemanha com os arquivos do Stasi pode ser útil ao Iraque. Seria chegada a hora de os iraquianos reescreverem seu passado. "Existem tantas questões concretas em aberto sobre esse tema. Por exemplo, a elaboração de uma lei que garanta o sigilo de dados por um lado e o direito de esclarecimento por outro", diz a diretora da instituição, ligada ao Partido Verde alemão.
Caótico, mas eficaz
– Hassan Mneimneh, diretor do Fundo Memória Iraquiano em Washington, já reuniu mais de 6 milhões de documentos governamentais do tempo da ditadura. "O regime de Saddam Hussein não tinha os recursos do Stasi e não era tão minucioso, mas isso era compensado pela variedade de organizações secretas. O sistema iraquiano era muito complicado."Mneimneh propõe que o Iraque crie uma instituição própria, tendo o Departamento Gauck como modelo. Segundo Birthler, a maior parte dos arquivos de Saddam está sob a guarda do governo de transição. O acervo será fonte de provas para os futuros processos contra ex-integrantes do regime do partido Baath. Outros documentos estão desaparecidos ou sob controle de grupos religiosos e políticos. "O medo de um possível uso indevido destes documentos é grande", afirma a diretora do Departamento Gauck.
Também o serviço secreto americano apreendeu partes dos arquivos em sua busca por armas de extermínio em massa e não permitiu até agora que os iraquianos tivessem acesso a eles. "Nós tentamos convencer os americanos de que é do interesse de milhões de iraquianos saber o que exatamente esse regime fez", declara Mneimneh. Esses documentos seriam importantes, segundo o diretor do Fundo Memória, para superar a "cultura do segredo" na sociedade iraquiana e poder vislumbrar a totalidade da história.