Napoleão
20 de dezembro de 2010São quase 400 peças, divididas em 12 capítulos – pinturas de grande formato, esculturas, desenhos, documentos, medalhas, armas, móveis, ferramentas: peças emprestadas de instituições de 17 países. Além disso, o visitante tem à sua disposição um material adicional de 40 páginas e um pesado catálogo de 400 páginas.
O peso da exposição Europa, Traum und Trauma (Europa, sonho e trauma), no museu Bundeskunsthalle de Bonn, faz jus à relevância de seu tema: Napoleão Bonaparte e seu regime, os efeitos de sua política e as formas como esta foi abordada pela arte.
"Estado moderno e eficiente"
A mostra oferece um amplo panorama entre a guerra e a arte, o militarismo e a modernidade, o Iluminismo e a propaganda. Ela é fruto de um projeto franco-alemão, que tem como patronos a premiê alemã Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy.
O império de Napoleão, aprendemos na exposição, é considerado um exemplo clássico de um Estado moderno e eficiente, no qual o progresso técnico exercia um papel importante: infraestrutura, construção de estradas, correios e telegrafia atingiam naquela época um novo estágio de desenvolvimento.
Mas Napoleão, acima de tudo, outorgou o Código Civil dos Franceses (Code Civil des Français), primeiro compêndio legal estabelecido e respeitado em uma nação, válido até hoje na França e exemplo para Constituições de diversos outros países. Este é um lado da moeda.
Europa: campo de batalha
O outro lado, hediondo, mostra Napoleão como defensor de um Estado policial, um soberano do medo, cuja máquina militar semeou a guerra e a destruição por toda a Europa.
Seu sonho de dominar o mundo custou a vida de 3 milhões de europeus, e 10 milhões ficaram feridos nos campos de batalha e nos países destruídos. Essa é a experiência coletiva de toda uma geração, diz Bénédicte Savoy, curadora da mostra. "Guerra, extermínio, medo, frio, ferimentos, essa é a herança europeia, uma lembrança comum, que queremos mostrar aqui de qualquer forma", completa.
Napoleão, com sua máquina militar, a Grande Armée, passou por cima de toda a Europa. Para a invasão da Rússia, em 1812, ele reuniu o maior Exército que a Europa vira até então, formado por 600 mil homens. A maioria morreu, apenas poucos voltaram do gélido inverno russo. O número de vítimas foi tamanho que até no ano de 2002 foram descobertas, nos arredores de Vilnius, capital da Lituânia, valas comuns com cadáveres dos tempos napoleônicos.
Na exposição em Bonn, há imagens contemporâneas que documentam a guerra e a morte, bem como o sofrimento nos campos de batalha e nos hospitais de guerra, além de mostras da retirada deprimente de um Exército abatido, desenhos médicos de feridas horrendas, malas com utensílios para amputação de órgãos, próteses e instrumentos cirúrgicos, que deixam entrever parte do que foi o horror nos campos de batalha.
Roubo da memória cultural
Por outro lado, Napoleão era um incentivador das artes, um mecenas que instrumentalizava sem pudores os artistas em prol do culto à própria personalidade, fazendo com que esses cultivassem sua imagem em pinturas de grande formato.
Paris só pôde se transformar, no início do século 19, em uma meca das artes e da ciência devido à extensa apropriação de objetos oriundos de bibliotecas, arquivos e coleções de arte: estátuas de Roma, pinturas de Viena, caixas cheias de livros de Berlim, obras de arte valiosas tomadas de igrejas e mosteiros – troféus confiscados e meticulosamente listados por comissões a serviço de Napoleão, enviados a Paris como carga, em nome da fama do imperador e general.
Gravuras, pinturas e documentos servem de testemunho de tudo isso na exposição. Bénédicte Savoy explica: "A ideia era transformar Paris em um lugar central da memória, que deveria congregar todos os arquivos da Europa. O plano era também criar uma espécie de museu universal, suprir as lacunas já existentes nas coleções e torná-las as maiores e mais belas". A restituição das peças a seus países de origem foi um processo difícil, salienta a curadora.
Fascínio Bonaparte
Napoleão fascinou muitos de seus contemporâneos, entre o quais Friedrich Hölderlin, Ludwig van Beethoven, Alexander von Humboldt e Friedrich Hegel. Eles eram representantes de uma geração "eletrizada" por Bonaparte, diz Bénédicte Savoy.
A fascinação persiste até hoje: no fim da mostra, há uma escultura intitulada Terminator Napoleon, de Jonathan Meese. O irreverente artista plástico alemão concebeu uma mistura fetiches arcaicos, personagens de quadrinhos e um monstro fortemente armado, com um pênis gigante.
Autora: Cornelia Rabitz (sv)
Revisão: Augusto Valente